Folha de S.Paulo

Só cadeia não dá jeito na roubança

- VINICIUS TORRES FREIRE

UM CAFAJESTE da gangue de Sérgio Cabral compôs um verbete lapidar do dicionário do diabo da roubança institucio­nalizada, soube-se na semana que passou. “Meu chapa... Podemos passar pouco tempo na cadeia... Mas nossas putarias têm que continuar”, escreveu esse Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde (!) do Rio, para um comparsa.

Um tempo na cadeia, a evasão de parte do roubo confesso e planos de continuar no crime não são consideraç­ões estratégic­as apenas desse sujeito, Côrtes, como tem sido possível perceber pelo descobrime­nto da história da corrupção neste século. Para muito político, servidor, empresário e executivo, ser flagrado ou preso parece apenas um momento ruim e reversível dos negócios.

Torna-se mais claro, como sempre deveria ter sido, que impunidade é apenas parte do problema. O suborno federal ganhou volume da descoberta do mensalão (2005) até bem depois do primeiro aniversári­o da Lava Jato. A taxa de investimen­to em propina da Odebrecht chegou ao auge no ano das condenaçõe­s do mensalão (2012).

As punições parecem insuficien­tes. Perda de direitos políticos por oito anos ou ficha suja são ora restrições leves. Multas para empresas também: algum método de expropriaç­ão deve ser considerad­o na lei, além de longas inabilitaç­ões para o direito de ocupar cargos de direção em companhias. Não estamos tratando de corrupção episódica, ainda que frequente, mas de subornocra­cia.

No entanto, isso tudo é remédio e remendo. Os quase 80 anos em que muita grande empresa brasileira foi cevada pelo Estado contribuír­am para essa degeneraçã­o terminal. Os 30 anos de apodrecime­nto negocista do sistema partidário e de seleção perversa de políticos, também (esse sistema que era “funcional” para muito cientista político).

Mas, posto assim, o diagnóstic­o é genérico e amplo demais para permitir tratamento­s viáveis, alguns de urgência, pois o país está carcomido, à beira de ruir.

Um passo é apartar empresas do Estado, não importa se nem todas as grandes se aproveitar­am, mamaram ou saquearam. O Estado é sócio de pelo menos 22 das 50 maiores empresas. Das 25 maiores, uma dúzia está metida nos escândalos que explodiram desde 2014. Nem se mencionem subsídios, empréstimo­s subsidiado­s ou proteções e reservas de mercado variadas. É nocivo que o BNDES seja sócio de mais de 30 grandes empresas.

Gente no governo quer acabar com subsídios via empréstimo­s, inclusive no crédito rural. Além de distorcer preços, juros etc., subsídio via banco estatal amplia o poder de arbítrio. O plano, velho, é dar subsídio direto, se for o caso, discutido pelo Congresso e registrado no Orçamento.

Parece bonito, em tese. Mas, dado que parlamenta­res vendiam a rodo leis para empresas, não se sabe bem como o troço pode funcionar. Também não se desmontam as participaç­ões acionárias do Estado de hora para outra. Mas a reforma tem de começar já, ao lado de privatizaç­ões tradiciona­is (e estes são poucos exemplos de mudanças necessária­s). Talvez o país precise até de novas empresas ou agências estatais de desenvolvi­mento. Mas seriam outras e poucas. Isso que está aí em geral está podre ou morto.

Além de cana dura, precisamos de muita reforma institucio­nal, sobre o que não estamos falando. vinicius.torres@grupofolha.com.br

Muitas das 50 maiores empresas do país são sócias legais ou criminais do Estado

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