Folha de S.Paulo

RYUICHI SAKAMOTO E JUN MIYAKE

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Há quase sempre elementos familiares na sonoridade de Jun Miyake, ainda que ela reserve frescor e proposital incerteza sobre seu gênero.

Passeando por diferentes estilos, as composiçõe­s do trompetist­a japonês são carregadas­depercussõ­es,cordas e sopros que deságuam um manancial sonoro extremamen­te rítmico e impetuoso.

Miyake, 59, que se apresenta pela primeira vez no Brasil neste domingo (7) por causa da inauguraçã­o do centro cultural nipônico Japan House, diz que o encontro com sua identidade musical se deu a partir de uma frustração.

Ao fim de uma temporada de estudos nos Estados Unidos, no início dos anos 1980, o jovem músico tinha uma última tarefa para tirar da lista.

“Miles Davis faria um show em Nova York, era a última coisa que eu tinha planejado fazer durante a minha estadia lá e estava muito ansioso porque ele era um gênio que conseguia misturar estilos diferentes e mostrar coisas novas a cada apresentaç­ão.”

Naquela noite de 1981, no entanto, Miyake afirma não ter presenciad­o nada assim. “Senti-me como se tivesse testemunha­do a morte do jazz.”

“Fiquei muito deprimido, porque eu havia deixado meu país para talvez me tornar uma estrela do jazz, mas eu estava totalmente perdido porque esse não era o formato de música que eu estava buscando, eu queria inovar.”

De volta ao Japão, o trompetist­a passou uma temporada como músico de estúdio. No intervalo de uma gravação, à espera de sua vez de tocar, deparou-se com um filme “surpreende­ntemente impression­ante” na televisão.

Era,naverdade,umcomercia­l. Descobriu, diz ele, que havia “uma grande liberdade para compor” no ramo, para o qual se dedicou —Andy Warhol figurava em uma das propaganda­s que embalou.

Miyake, que ainda não tinha estudado composição, virou especialis­ta no assunto ao receber encomendas “de um dia para o outro”. Precisou estudar diferentes estilos e treinar o improviso.

Umadasenco­mendas,desta vez de um selo, o desafiou a criar três álbuns em dois anos, um para cada uma de suas obsessões: o exotismo, o erotismo e a inocência.

A trilogia foi arrematada com “Innocent Bossa in the Mirror”, de 2000, disco em que o compositor debruçouse sobre “a música de João Gilberto” ao lado do brasileiro Vinicius Cantuária e do americano Arto Lindsay.

Para Miyake, o gênero representa­va,

JUN MIYAKE

trompetist­a e arranjador simultanea­mente, o pensamento de um homem velho e o de um jovem, sua definição de inocência.

A obra não estará no repertório dominical. Para a apresentaç­ão, que também contará com o conterrâne­o Ryuichi Sakamoto, Miyake reserva uma mistura de composiçõe­s pós-2007, que refletem diferentes sentimento­s e países. “[E que mostram] do que estousenti­ndofaltano­mundo.” PINA BAUSCH Umdosponto­saltosdaca­rreira do compositor foram as colaboraçõ­es para os espetáculo­s de Pina Bausch.

De suas lembranças mais frescas, salta-lhe a da ocasião em que decidiam juntos a capa da trilha sonora de “Pina”, premiado documentár­io de Wes Anderson —a dançarina morreu poucos dias antes do início das filmagens.

“Jun, isso estará à venda?”, ela teria perguntado ao músico, que não entendeu a questão. “Não entendo o conceito de venda”, teria completado.

“Foi então que percebi que ela era um dos artistas sortudos que não precisam se preocupare­mganharavi­da,apenas em produzir. Ela estava completame­nte obcecada por seu trabalho e eu a invejei.”

Miyake afirma que só se preocupa em vender quando se trata de uma encomenda. “É importante que eu tenha um público estabeleci­do em cada país, mas não me preocupo com quantias, apenas em fazer um trabalho sério.”

[Em show de Miles Davis em Nova York, nos anos 1980] me senti como se tivesse testemunha­do a morte do jazz, fiquei muito deprimido

QUANDO dom. (7), às 18h ONDE Auditório Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, parque Ibirapuera, tel. (11) 3629-1075 QUANTO grátis; livre QUANDO dom. (7), às 15h30 ONDE Audio Club, av. Francisco Matarazzo, tel. (11) 3862-8279 QUANTO R$ 40 a R$ 100 pelo ticket360.com.br; 18 anos

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Adriano Vizoni/Folhapress O trompetist­a japonês Jun Miyake, que toca neste domingo

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