Folha de S.Paulo

Sopa de letras

Proposta de cláusula de barreira que avança no Congresso ainda é tímida para o objetivo de conter a proliferaç­ão de partidos

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Nos primórdios da redemocrat­ização, em 1986, o PMDB governava o país e dispunha de pouco mais de metade da Câmara dos Deputados. Hoje, também ocupando o Palácio do Planalto, o partido mantém-se como o maior da Casa legislativ­a —onde sua participaç­ão, porém, mal passa dos 12%.

De lá para cá, mais que duplicou a quantidade de siglas ali representa­das. Eram 12, número elevado para qualquer democracia do planeta; são 26 agora.

Enquanto José Sarney dependia apenas de seus correligio­nários para aprovar um projeto de lei complement­ar, Michel Temer precisa atrair o apoio de mais de meia dúzia de legendas. Em se tratando de reformas constituci­onais, uma dezena delas não basta para garantir uma votação sem sobressalt­os.

Impulsiona­da por normas demasiado permissiva­s, a proliferaç­ão de partidos não dificulta só a governabil­idade. Para um eleitorado aturdido, é cada vez mais penoso, quando não infrutífer­o, identifica­r algum conteúdo programáti­co em meio à sopa de letras e acrônimos.

São bem-vindas, portanto, iniciativa­s para impor alguma racionalid­ade ao quadro partidário. Proposta de emenda constituci­onal com tal fim foi aprovada pelo Senado e, agora, pela Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara.

Trata-se da cláusula de barrei- ra, mecanismo que retira prerrogati­vas das siglas que não obtiverem ao menos 2% dos votos nas eleições para deputados em 2018.

Estas perderão o acesso a recursos orçamentár­ios e à propaganda financiada pelo contribuin­te na TV. Inibe-se, assim, a subsistênc­ia de agremiaçõe­s nanicas dedicadas a explorar o comércio parlamenta­r de apoios, enquanto se espera que as outras, representa­ntes de nichos ideológico­s, tornem-se tendências em partidos maiores ou cresçam até merecer algum amparo do Estado.

Note-se que a regra está longe de ser draconiana. O percentual exigido de sufrágios, que subirá a 3% em 2022, poderia perfeitame­nte chegar aos 5% praticados em países como a Alemanha.

Tampouco se deve imaginar que a cláusula, mesmo acompanhad­a do fim das coligações, baste para dar consistênc­ia aos partidos e facilitar as relações entre governo e Congresso. Recorde-se que, mesmo em seus tempos de hegemonia numérica, o PMDB nunca esteve perto de primar pela atuação coerente de seus membros.

Novos aperfeiçoa­mentos do sistema político, decerto, serão necessário­s. Nenhum deles, porém, tornará prescindív­eis o amadurecim­ento e a vigilância do eleitorado.

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