Folha de S.Paulo

Errar por conta própria

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RIO DE JANEIRO - Há uma cena no filme “Metrópolis” (1927), de Fritz Lang, mostrando a cidade do futuro: um buquê de arranha-céus, torres de vidro e pilotis de 80 andares cortados por vias expressas aéreas e, saracotean­do entre eles e as nuvens, vários aviõezinho­s. Como nenhuma cidade de então, nem mesmo Nova York, poderia servir de modelo, Lang se valeu da genialidad­e de seu técnico em efeitos especiais, Ernst Kunstmann, para criar aquela imagem.

Durante boa parte do século 20, nossas cidades viveram sob a ditadura da arquitetur­a modernista, e a possibilid­ade de aquele pesadelo se tornar realidade existiu. Le Corbusier foi um que, em 1930, em nome de um “novo estilo de vida”, propôs implantar quilômetro­s de viadutos pelo Rio, transforma­ndo-o num gigantesco minhocão—seu projeto, felizmente abortado, é bem conhecido. Também felizmente, essa visão utópica e utilitária das metrópoles perdeu terreno nas últimas décadas pa- ra a volta das cidades à escala humana, com ruas vedadas a carros e muitas áreas de lazer.

Pois eis que, de repente, a Uber —o maior serviço de táxis do mundo que não tem um único táxi e em que qualquer um pode ser taxista— ameaça criar o táxi voador. Está investindo bilhões no desenvolvi­mento de veículos elétricos de decolagem e pouso vertical, equipado com asas fixas e pequenos rotores e alcance de 160 km. A ideia é a de botar os primeiros exemplares para voar em 2020, em Dubai e em Dallas.

Já posso imaginar os táxis voadores da Uber no Rio, pegando um passageiro no Flamengo para levá-lo a Copacabana e, assim como seus colegas de quatro rodas, que desconhece­m a cidade, tomando a direção contrária e pousando no Alemão ou na Maré.

Quem conhece o filme sabe que a utopia de “Metrópolis” deu errado. Mas sempre haverá alguém insistindo em errar por conta própria. AÉCIO NEVES

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