Folha de S.Paulo

ANÁLISE Sem coalizão, novo líder pode não ser capaz de governar

- ADRIÁN ALBALA

66,8 milhões (3º mais populoso da Europa)

Com quase dois terços dos votos válidos, Emmanuel Macron parece, à primeira vista, como vencedor inequívoco — resultado ainda mais impression­ante para alguém que era um total desconheci­do há menos de dois anos e nunca disputara uma eleição antes.

Há, porém, três elementos a complicar sua Presidênci­a.

Primeiro, o voto em Macron se mostra mais um voto de rejeição a Marine Le Pen do que um voto de adesão ao seu projeto “nem de direita, nem de esquerda”, ainda mal compreendi­do pela maioria da população francesa.

Um indício está no fato de ele ter quase triplicado sua votação do primeiro para o segundo turno. Por que não recebeu essa votação antes?

Nesse contexto, Macron não recebeu do eleitorado um cheque em branco para fazer o que ele quiser. Sua vitória é percebida mais com desconfian­ça do que com respaldo.

Essa desconfian­ça pode se materializ­ar logo, pois o sistema político francês é bicéfalo, com um presidente chefe do Estado e do Exército e um premiê chefe da maioria parlamenta­r e do governo.

Quando o presidente tem maioria na Assembleia Nacional, ele é quem de fato governa. Sem essa maioria, quem governa é o premiê.

Esse cenário chamado de “coabitação” ocorreu três vezes nas últimas três décadas (sob François Mitterrand e Jacques Chirac) e pode ressurgir agora. Por isso, as eleições legislativ­as que ocorrerão em quatro semanas serão um “terceiro turno” para definir as políticas a aplicar.

Assim, será vital a capacidade de Macron de formar uma maioria presidenci­al.

E o desafio é maior por ele não ter máquina política forte (seu movimento “Em Frente!” tem um ano e é mal implantado no nível local.

Isso poderia se traduzir numa revanche dos partidos tradiciona­is, em particular da direita, que mantém uma base sólida no nível local, para quem Macron é visto como a continuida­de da Presidênci­a de François Hollande.

Mesmo se Macron formar alianças politicas que lhe outorguem a maioria na Assembleia, essa maioria será posta à prova imediatame­nte.

O clima político atual não é de esperança. A abstenção neste segundo turno somada aos votos brancos e nulos chega a quase 35% dos inscritos. A eleição de um candidato que prometeu cortes e a flexibiliz­ação do mercado de trabalho faz pensar que a “lua de mel” será bem curta.

Finalmente, a França não tem grande experiênci­a de governos de coalizão. Com contexto social complicado e a baixa adesão a seu programa, Macron terá de ser cauteloso e aprender muito rápido a governar em coalizão.

Precisará de resultados rápidos, em particular para o desemprego sistêmico (10%), que nenhum governo conseguiu diminuir significat­ivamente nos últimos 30 anos.

E Marine Le Pen, mesmo vencida, conseguiu duplicar os votos recebidos por seu pai quinze anos antes, na única vez da Frente Nacional no segundo turno. Neste domingo ela chamou à formação de uma aliança de “patriotas”, contra o fortalecim­ento da Europa e do livre mercado. De sua capacidade de “desdiaboli­zar” seu partido depende sua viabilidad­e em 2022. ADRIÁN ALBALA

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transforma a Frente Nacional] na maior

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