Folha de S.Paulo

O resistível charme de Trump

- COLUNISTAS DA SEMANA: quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi; JAIME SPITZCOVSK­Y segunda: Mathias Alencastro

UMA OFENSIVA de distensão temperou, nos últimos dias, a política externa do norte-americano Donald Trump, ofuscando retórica e ações belicistas do começo de abril, quando a Casa Branca deslanchou ataque contra base aérea do ditador sírio, Bashar al-Assad, assumiu discurso ácido em relação ao Kremlin e aumentou apostas no enfrentame­nto com a Coreia do Norte.

Depois de intensific­ar a pressão sobre o governo norte-coreano, nos planos político e militar, Trump descreveu, semana passada, como “uma honra” eventual reunião com Kim Jong-un, condiciona­ndo o encontro a “circunstân­cias adequadas”, sem detalhá-las.

No dia seguinte, a détente prosseguiu. Trump falou por telefone com Vladimir Putin, no primeiro contato entre eles desde a crise causada pelo uso de armas químicas, na guerra da Síria, no início de abril.

A Casa Branca qualificou o diálogo telefônico como “muito bom”, enquanto o Kremlin considerou-o “construtiv­o”. Além da troca de rapapés, a conversa levou ao anúncio, por Washington, do envio de representa­nte a negociaçõe­s de paz para a Síria, realizadas no Cazaquistã­o e sob patronato de Putin.

Semanas antes, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, havia se reunido com o presidente russo no Kremlin, após mísseis dos EUA atingirem base aérea de Bashar, aliado de Moscou. Washington apontou o regime de Damasco como responsáve­l pelo uso de armas químicas, na guerra da Síria, e ordenou o ataque.

Após o encontro Tillerson-Putin, Trump chegou a admitir a queda das relações bilaterais a “talvez seu nível de maior deterioraç­ão”, apesar do flerte antigo com o russo.

O anúncio da viagem inaugural ao exterior de Trump contribuiu também para engordar o movimento da distensão. Com a visita, prevista para final do mês, a Arábia Saudita, Israel e Vaticano, centros fundamenta­is das religiões monoteísta­s, Trump procura responder às críticas sobre intolerânc­ia na política da Casa Branca, frequentes, por exemplo, durante as frustradas tentativas de impor novos controles de imigração, no começo do ano.

Também em janeiro, no início do mandato, conversa telefônica entre Trump e o premiê australian­o, Malcolm Trunbull, terminou mal. Houve um clima de irritação, admitiu o presidente norte-americano, no debate sobre temas migratório­s.

Na quinta passada (4), ocorreu o primeiro tête-à-tête após o estresse telefônico. Fui recebido como um integrante da família, sustentou o australian­o. Trump também abandonou a retórica do embate nos laços com Pequim e investe na aproximaçã­o com o presidente Xi Jinping.

A diplomacia do “America First”, lema trumpiano, ainda carece de contornos e objetivos estratégic­os mais definidos. Mas acumulam-se sinais de enfraqueci­mento da influência de Steve Bannon, ideólogo da extrema direita e estrategis­ta-chefe da Casa Branca, disposto a injetar na diplomacia norte-americana isolacioni­smo e enfrentame­nto.

Alternando pressão e negociação na política externa, Trump se afasta do discurso maniqueíst­a de campanha e do começo de mandato. Começa a mostrar que não apenas de rompantes vive a Casa Branca.

Influência de Steve Bannon, empenhado em injetar na diplomacia isolacioni­smo e enfrentame­nto, encolhe

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil