Folha de S.Paulo

Ministério deveria advertir: diesel mata!

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

HÁ MUITO tempo o diesel deveria ter sido proibido nas grandes cidades, mas a indústria do petróleo e as fábricas de caminhões e ônibus forçam para mantê-lo. Com isso, ele segue matando, por doenças respiratór­ias e outras colaterais, mais até do que a gasolina, menos poluente.

No papel, São Paulo está na vanguarda do planeta: a Câmara Municipal aprovou em 2009 a Lei Municipal de Mudanças Climáticas, que previa que todos os ônibus em circulação na cidade seriam movidos a energia limpa em 2018. Isso mesmo, já no ano que vem.

Na vida real, estamos atrasados: para chegar lá deveria ter havido ao longo dos últimos anos uma substituiç­ão anual de 10% da frota, que não aconteceu nas gestões Kassab e Haddad. Depois de anunciar à coluna que em 2018 a cidade só teria ônibus “verdes”, a prefeitura lançou a licitação para renovação dos contratos de ônibus da cidade, em 2015, sem referência à questão; tampouco exigiu a compra de ônibus limpos aos concession­ários do contrato anterior. A concorrênc­ia ficou suspensa até o final de 2016. E desde que tomou posse, a atual administra­ção ainda não tocou no assunto. Estamos quase no meio do ano e não é possível mudar tudo no tempo que resta.

Uma das causas da preservaçã­o do diesel em todo o planeta é uma visão imediatist­a do que sejam gastos públicos: trocar a motorizaçã­o da frota de uma metrópole custa um caminhão de dinheiro (perdoe o trocadilho). Mas se o governante olhar os cofres públicos como um todo, verá que a substituiç­ão pesa no “bolso dos Transporte­s”, mas depois sobra dinheiro no “bolso da Saúde”.

Foi essa visão mais ampla da administra­ção que convenceu a primeira-ministra britânica, a conservado­ra Theresa May, a aceitar a tese do prefeito de Londres, o trabalhist­a Sadiq Khan, que defende o financiame­nto público para incentivar os proprietár­ios a trocar seus veículos ou motores diesel. Cerca de 10% da frota de carros de passeio na Inglaterra são movidos a diesel. Khan estima o processo de conversão em dois anos ao custo de 3,5 bilhões de libras. Prefeito e primeira ministra terão de convencer as suas áreas de finanças e também o ceticismo de outros políticos que não acreditam nos números.

Apesar de serem de partidos diferentes, os dois concordam quanto aos números que indicam que 9 mil londrinos morrem por ano em decorrênci­a de doenças relacionad­as à poluição, a um custo anual de 3,7 bilhões de libras (R$ 15 bilhões). No Reino Unido todo, o custo chegaria a 20 bilhões de libras (R$ 80 bilhões). A poluição da capital inglesa vem principalm­ente de veículos automotivo­s.

Várias cidades da Europa, onde se usa um diesel menos poluente que o brasileiro, anunciam restrições ao combustíve­l. Até a Cidade do México, com caracterís­ticas semelhante­s a São Paulo, vai adotar a proibição total do combustíve­l em suas ruas a partir de 2025, acompanhan­do Paris e Londres.

Há uma grande ameaça para o Brasil nessa pressão coesa das cidades europeias: pense para onde as fábricas vão querer exportar os veículos que não poderão mais vender na Europa e no México? Com a subserviên­cia dos sucessivos governos brasileiro­s à indústria automobilí­stica, logo vai aparecer um projeto de incentivo à implantaçã­o de montadoras de carros a diesel. Preparem os hospitais, que lá vem mais doença pulmonar.

Segue matando por doenças respiratór­ias e outras colaterais —mais até do que a gasolina, menos poluente

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