Folha de S.Paulo

Chegou o dia

- GREGÓRIO DUVIVIER COLUNISTAS DA SEMANA: terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo, quinta: José Simão, sexta: Ricardo Araújo Pereira,sábado: José Simão, domingo: Marcius Melhem

TOCAVA MÚSICA eletrônica —não sei dizer qual, porque entendo de música eletrônica menos que eu entendo de carro, que é nada. Só pra você ter uma ideia, outro dia me disseram: “Vou chegar num Meriva”. E eu fiquei achando que era alguma expressão nova pra “vou chegar num instante”. Voltando à boate, a fumaça com cheiro de eucalipto fazia o nariz coçar e me lembrava da época da matinê da Maxim’s, em 1999, no topo do prédio do Rio Sul —tinha 13 anos e bebia Coca-Cola às quatro da tarde sob um sol de rachar enquanto o DJ tocava Gigi D’Agostino (“I still believe in your eyes”).

Foi só quando comecei a lembrar das matinês que percebi: calma aí, eu não gostava disso. Pera lá. Acho que eu nunca gostei disso. Foi então que assumi pra mim mesmo: “eu não gosto de boate”. Nunca uma informação demorou tanto tempo pra chegar. Mais precisamen­te 17 anos.

E foi aí que eu percebi que de repente envelhecer não é tão ruim assim. Um moleque de 17 anos que não gosta de balada é um pária. Já um trintão assim que começa a ficar calvo e barrigudo ganha essa dispensa social. “Toma. Você tentou por décadas, a gente viu. Não rolou. Vai ser feliz vendo série e comendo um carbonara.” Não é a primeira dispensa da sua vida: aos 19 você já não precisava mais gostar de assistir aos amigos jogando videogame, aos 24 você ganha um alvará que te libera de brigar por futebol e aos 29 deixa de ser obrigatóri­o preferir Serramalte e queijo coalho no sujinho a um jantar de verdade.

E não é só o privilégio de não gostar de certas coisas mas o direito de gostar de outras coisas, e inclusive usá-las em seu vestuário, tipo calça moletom ou chapéu de palha. Antes dos 60, moletom só é permitido dentro de casa e chapéu de palha em festa junina —fora desse ambiente toda forma de chapéu, como sabemos, configura carência de atenção, a não ser que você seja baiano, sambista ou trabalhado­r rural, casos em que a idade mínima pra uso de chapéu panamá cai drasticame­nte.

Mas a melhor parte são os direitos inalienáve­is do idoso no que tange à interação social, como dormir no meio da frase do seu interlocut­or. Quem nunca teve vontade? No entanto, segundo a lei que vigora, é preciso ter ao menos 87 pra fazer isso sem culpa. Mal posso esperar esse momento chegar na minha vida. Mas ainda temos que ver se isso continua com essa reforma da Previdênci­a. Talvez caia.

Um moleque de 17 anos que não gosta de balada é um pária. Já um trintão ganha essa dispensa social

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Catarina Bessell

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