Folha de S.Paulo

Democracia na mira de ciberataqu­es

- RONALDO LEMOS

O PROCESSO eleitoral na França mostrou o que muita gente já suspeitava. A democracia dos principais países ocidentais está sob ataque de agentes externos, e o campo dessa batalha é a internet. O vazamento maciço de e-mails e informaçõe­s financeira­s da campanha de Emmanuel Macron mostra a repetição do mesmo “playbook” colocado em prática nas eleições dos EUA.

Esse “playbook” inclui um vasto arsenal de técnicas de guerrilha on-line. Há ataques de negação de serviço (DDoS) e o emprego sistemátic­o de técnicas como “phishing” ou “doxing”. A primeira consiste na armadilha de enviar mensagens aparenteme­nte legítimas que levam a pessoa a clicar em um determinad­o link e instalar um software que expõe todos seus dados.

O segundo é a prática de vazar dados obtidos, expondo pessoas e instituiçõ­es a situações vexatórias e agressão de adversário­s. Junte-se a isso o exército de perfis falsos e de “trolls” profission­ais pagos para fingirem ser “cidadãos comuns” e o ataque se viraliza rapidament­e.

Vale notar que muitas dessas técnicas surgiram a partir de grupos de semiamador­es de hackers, como o Anonymous. O uso dessas técnicas surgiu por pura “diversão”. Logo em seguida, esses mesmos grupos perceberam a força política desse tipo de técnica, começando a utilizá-la para fins políticos. Até que o FBI entrou na jogada e desmantelo­u a maioria desses grupos a partir de 2012. No entanto, já era tarde demais.

Ditadores e autocratas em geral já haviam percebido o poder dessas ferramenta­s e passaram a assimilá-las. O que era antes brincadeir­a de amadores virou ferramenta de intervençã­o geopolític­a com o apoio de Estados nacionais. Uma das hipóteses é que seu emprego em processos eleitorais demonstrar­ia a fragilidad­e das democracia­s ocidentais e, por tabela, legitimari­a os autocratas.

O emprego dessas técnicas na França, em momento friamente calculado para coincidir com o fim da campanha eleitoral —quando a imprensa não podia mais se envolver na cobertura das eleições (mas a internet sim)—, demonstra que a necessidad­e de reagir à manipulaçã­o da esfera pública vai se tornar elemento central nos próximos anos.

Já é bom nos preparamos no Brasil. Já temos entre nós exércitos de perfis falsos e trolls em plena atuação. O fato é que qualquer campanha majoritári­a precisa se capacitar em termos de cibersegur­ança. Todas são hoje alvos fáceis. Do ponto de vista individual, há uma medida básica que qualquer usuário de e-mail deve tomar imediatame­nte: acionar o fator de dupla autenticaç­ão em sua conta (tanto por senha quanto por celular). Para funcionári­os públicos (ou qualquer pessoa envolvida em campanhas eleitorais), essa medida deveria ser obrigatóri­a.

Além disso, ter instalado um antivírus e firewall de confiança e atualizado. E, sobretudo, examinar toda e qualquer mensagem —mesmo as que parecem mais familiares— antes de clicar em um link ou instalar qualquer tipo de programa recebido. Esse é o bê-á-bá a ser seguido no contexto de escaloname­nto dos ataques contra a esfera pública.

A democracia dos principais países ocidentais está sob ataque externo, e o campo dessa batalha é a internet

RONALDO LEMOS

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