Folha de S.Paulo

Muito a investigar

Delações contraditó­rias indicam que inquéritos da Lava Jato ainda têm longo caminho pela frente; jogo de pressões acirra-se em Brasília

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Em que pese a expectativ­a geral de depuração dos quadros políticos do país, suscitada pelos feitos inauditos da Operação Lava Jato, não se pode perder de vista que, no plano judicial, a maior parte das investigaç­ões mais chamativas ainda ensaia seus primeiros passos.

Exemplos fartos a ilustrar essa constataçã­o básica encontram-se em levantamen­to, publicado no domingo (7) por esta Folha ,deinformaç­ões contraditó­rias ou inconsiste­ntes prestadas por delatores ligados à construtor­a Odebrecht.

Tais depoimento­s embasam a vasta relação de inquéritos e petições que, desde o mês passado sob a guarda do Supremo Tribunal Federal (STF) e de cortes inferiores, cobriu de suspeitas as cúpulas do Executivo, do Legislativ­o e dos principais partidos nacionais.

Em comum, as dezenas de políticos mencionado­s receberam recursos da empreiteir­a, sócia confessa do esquema de corrupção revelado na Petrobras.

Daí a averiguar se sabiam da origem do dinheiro —e se proporcion­aram vantagens à doadora, o que caracteriz­aria a corrupção—, há longo caminho a percorrer. Delações precisam ser corroborad­as por evidências, mas a imprecisão dos testemunho­s já mostra que nem todos serão comprováve­is.

O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), teria obtido por caixa dois R$ 200 mil, R$ 500 mil ou R$ 2 milhões em 2010, conforme três versões distintas?

Flavio Dino (PC do B), governador do Maranhão, teria recebido R$ 200 mil, como disse um delator, ou R$ 400 mil, como consta da peça elaborada pela Procurador­ia-Geral da República? E por que a verba seria concedida em troca do avanço de um projeto de lei que acabou arquivado?

Todos os casos demandarão apuração adicional mais complexa, que nem sempre será conclusiva —ou que, muitas vezes, apontará a inocência de suspeitos.

Tais desdobrame­ntos, corriqueir­os em qualquer processo judicial, certamente vão frustrar expressiva­s camadas da opinião pública, que acompanha com compreensí­vel desconfian­ça o jogo de pressões que se disputa em Brasília.

Entre seus protagonis­tas estão o ministro Gilmar Mendes, do STF, que emite sucessivas críticas públicas à condução da Lava Jato, e o procurador-geral, Rodrigo Janot, que pediu à corte o impediment­o de Mendes no julgamento que encerrou a prisão preventiva do empresário Eike Batista.

Haverá arrazoados, decerto, para sustentar este ou aquele posicionam­ento. Quaisquer que sejam seus motivos, entretanto, autoridade­s que deveriam demonstrar discrição e equilíbrio erram ao tensionar ainda mais o ambiente.

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