Folha de S.Paulo

À prova de resposta

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RIO DE JANEIRO - “Que país é este?”. Você ouviu essa pergunta da boca do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, em novembro de 2014, quando a Polícia Federal farejou um rato nas relações que ele mantinha com o poder. A indignação de Duque não se referia a ser acusado de ilícitos, mas a estar sendo apanhado —logo ele, que cometera os desvios com tanto cuidado. Quatro meses depois, em 2015, a Lava Jato honrou-o dando a uma de suas fases o nome de “Que País É Este?” e fazendo dele a sua principal captura daquele dia.

Desde então, a frase —um novo clássico da língua— foi esmiuçada e teve sua origem fixada no remoto 1976, ao ser pronunciad­a por um político de então, o mineiro-piauiense Francelino Pereira, obediente funcionári­o da ditadura. O presidente Geisel prometera abrir o regime durante o seu mandato. A oposição não fez fé, e Francelino perguntou que país era aquele, em que as pessoas du- vidavam da palavra do governante.

Fizeram bem em duvidar porque Geisel, num primeiro momento, ao contrário do que prometera, apertou ainda mais as cravelhas. Em 1987, quando estávamos finalmente livres da ditadura e já frustrados com a Nova República, o compositor Renato Russo fez uma canção com esse título, “Que País É Este?”, e ela foi um sucesso. De tal monta que, há pouco, ao estabelece­r a genealogia da expressão revivida por Renato Duque, a mídia lembrou Francelino, mas cravou Renato Russo como seu descobrido­r.

Antes cêsse, mas não ésse. O primeiro a transforma­r a frase em crítica foi Millôr Fernandes, em seu livro “Que País É Este?” (Nórdica, 1978), crônicas antológica­s sobre a política brasileira. E, logo depois, saiu o também antológico poema-livro de Affonso Romano de Sant’Anna, “Que País É Este?” (Rocco, 1980).

Sempre foi uma grande pergunta. Mas, pelo visto, à prova de resposta. ANTONIO DELFIM NETTO

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