Folha de S.Paulo

Nova coalizão

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Nenhuma proposta internacio­nal para impedir o colapso da Venezuela funcionou —Estados Unidos, Vaticano, Unasul e OEA já tentaram.

A julgar pela temperatur­a nas ruas de Caracas, é plausível esperar uma escalada nova da violência. Isso porque o presidente Nicolás Maduro e seu grupo não podem recuar: se o fizessem, enfrentari­am uma caça às bruxas. Sua única estratégia viável de sobrevivên­cia é mais intransigê­ncia, repressão e concentraç­ão de poder.

Ocorre que isso depende do apoio do Exército, da polícia e da Guarda Nacional, grupos cada vez mais insatisfei­tos com o chavismo. Afinal, eles apoiam o regime porque, em troca, recebem renda e propinas oriundas da indústria do petróleo, do tráfico de drogas e da distribuiç­ão de remédios e comida. Manter a defesa em pé, porém, está ficando cada vez mais complicado.

Quem controla as armas está repensando seu futuro. Antes de ir à rua para defender Maduro, os homens de farda preferem garantir um papel para si num eventual processo de transição. Para isso, eles têm de preservar algum apoio social. Quanto mais violento Maduro ficar, mais incentivo os militares terão para abandoná-lo.

Chegou a hora de a comunidade internacio­nal aproveitar essa conjuntura e ajudar a Venezuela a sair do ciclo de destruição em que se encontra. Para atingir esse objetivo, a América Latina deveria testar uma fórmula própria, como já o fez há 30 anos, no processo de Contadora, na América Central.

Trata-se da criação de um “Grupo de Apoio à Venezuela”, composto pelos presidente­s de Argentina, Brasil, Colômbia, Peru e México, além do secretário-geral da ONU. Criado para lidar com a emergência, o grupo apresentar­ia quatro demandas às autoridade­s venezuelan­as: aceitação, por parte de Caracas, de ajuda internacio­nal humanitári­a (remédios e comida), a marcação de um calendário eleitoral, a libertação de todos os presos políticos e a garantia do direito da população ao protesto.

O grupo desistiria de tentar fazer o chavismo conversar com a oposição. Tampouco imporia uma agenda de justiça em resposta aos crimes cometidos. E tentaria trazer Cuba para o grupo, nem que seja num segundo momento.

O grupo de apoio ainda estabelece­ria um canal de comunicaçã­o com Vladimir Padrino, principal liderança militar do país. E sinalizari­a a Maduro com a possibilid­ade de asilo. O objetivo é criar condições externas favoráveis para a transição que apenas os venezuelan­os podem comandar.

O governo Temer não vai liderar essa empreitada. Mas Brasília seguirá a reboque os presidente­s latino-americanos que, cientes de sua responsabi­lidade coletiva, decidirem arregaçar as mangas e fazê-lo.

MATIAS SPEKTOR

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