Folha de S.Paulo

ANÁLISE Entre mesuras, duelo põe até as mulheres e os filhos no meio

- NELSON DE SÁ

O embate começou com o juiz Sergio Moro falando ao ex-presidente Lula —e também aos espectador­es do vídeo— não existir desavença pessoal entre eles. Foi expressame­nte para negar a cena de duelo antecipada em capas de revista e, na realidade, pelo país inteiro.

“Quem faz acusação é o Ministério Público e não o juiz, certo? Por conta dessa acusação, podem ser feitas perguntas difíceis ao senhor. É normal, não significa que essas perguntas contenham afirmações de fato.”

E Lula, se apresentan­do tão sincero quanto o antagonist­a: “Não tem pergunta difícil, doutor. Quando alguém quer falar a verdade, não tem pergunta difícil”.

No longo conflito passivoagr­essivo que se seguiu, o juiz usou muito a expressão “certo”, para levar Lula a concordar ou não com as afirmações que fazia.

E o ex-presidente usou muito a expressão “doutor”, para caracteriz­ar ou, mais provavelme­nte, para enquadrar e isolar Moro.

Em representa­ções muito díspares, o juiz se repetia e estendia nas perguntas, tomando a maior parte do tempo só com a voz.

E o ex-presidente era monossiláb­ico e vago nas respostas, dialogando mais através das mudanças de semblante, ele que ocupava a tela o tempo todo.

As mesuras iniciais de parte a parte, de suposto respeito mútuo e pela Justiça, foram se desfazendo aos poucos, com as menções cada vez mais recorrente às respectiva­s famílias.

O juiz perguntava sem trégua sobre a mulher do ex-presidente, morta em fevereiro, e este recorria sem parada à mulher para dizer que pouco ou nada sabia. Algumas farpas, aqui e ali, começaram a vazar o rancor.

Lula afirmou que Moro falava de sua mulher “toda hora, sem ela poder estar aqui para se defender”. E Moro afirmou não estar “acusando ela de nada”.

Noutro momento, Lula apelou para uma metáfora com filhos que escondem nota baixa, ao argumentar por que não teria sido informado sobre malfeitos. O juiz comentou que ele, Moro, sabia a nota de seus filhos.

Noutro, o ex-presidente afirmou que a mulher não comentou com ele uma visita ao apartament­o, porque, “não sei se o senhor tem mulher”, mas elas nem sempre contam o que vão fazer.

Depois de mais de quatro horas de vídeo, no que seria o diálogo derradeiro, ambos tiraram as luvas. O ex-presidente questionou o vazamento para a imprensa de conversas suas com a mulher e dela com os filhos.

Moro reagiu, dizendo não ter relação nenhuma com o que a imprensa publica ou não publica.

Lula afirmou de bate-pronto que “o vazamento foi o senhor que autorizou” e que a mesma imprensa que o ataca agora poderá vir a atacar Moro, “se tiver sinais de que serei absolvido”.

O juiz atravessou dizendo já ser hoje, na verdade, “atacado por blogs que supostamen­te patrocinam o senhor”. E encerrou a partida.

No embate que prosseguiu por televisão e mídia social, os enunciados atiraram para todo lado, indicando que o confronto resultou mesmo mais de forma —e pessoal— que de conteúdo.

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