Folha de S.Paulo

Lula ou a Lei?

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

Está claro que o negócio de Lula não é dinheiro, e sim poder, o que não o impede de tirar uma casquinha

NÃO ASSISTI às cinco horas do depoimento de Lula. Julgamento não devia ser espetáculo, então deixei o suplício aos jornalista­s. Do que vi, o saldo pareceu bem claro: Lula está numa enrascada. Não respondeu nada, limitou-se a dizer que não sabia, mesmo com documento compromete­dor em seu apartament­o. Eram coisas de Dona Marisa...

E eis que para muita gente, pelo contrário, Lula se saiu bem. Mostrou a força de sua lábia, vendeuse como vítima de um juiz partidário e mostrou força para voltar ao bom combate em 2018.

Há dois jogos simultâneo­s sendo jogados. O primeiro é o jurídico, segundo regras (espera-se) claras e bem definidas, e nesse Lula está inquestion­avelmente levando a pior. Nada do que disse muda a força das provas contra si nem o limpa na estranha história do tríplex.

Está claro que o negócio de Lula não é dinheiro, e sim poder. O que não o impede, claro, de tirar uma casquinha econômica aqui ou ali. Ocorre que ele ganhava US$ 200 mil por palestra. Por que ganhar ilegalment­e um apartament­o que poderia, sem muito sacrifício, comprar? Apenas uma profunda indiferenç­a pela legalidade, a sensação de que estava verdadeira­mente acima da lei, explica. Teria se deixado levar por um sentimento equivocado de onipotênci­a?

O outro jogo é o político. Nesse, não existem regras definitiva­s: tudo o que colar, tudo o que ajude a conquistar o poder, vale. Lula é um mestre brasileiro nessa arte, e está confiante de que, se chegar às urnas em 2018, escapa da prisão e ainda leva a Presidênci­a. Dá mostras também de que aprendeu a lição dos mandatos anteriores: fará de tudo para aniquilar qualquer ameaça a sua posição, a começar pela liberdade de imprensa.

A polarizaçã­o lhe cai como uma luva. Tudo que ele não quer é ser visto como o que de fato é: um réu comum, investigad­o por condutas possivelme­nte criminosas. Quanto mais seus processos forem vistos como guerra política com o paladino Sergio Moro liderando a investida, mais Lula se beneficia. Não é um julgamento; é um combate. Lula não é réu, e sim guerreiro, e teremos que escolher um lado. O ponto culminante dessa estratégia será entrar na campanha de 2018. Figurando na urna, o jogo muda. Nenhuma decisão jurídica poderá alegar isenção política, dado que terá impacto político direto.

Al Capone foi condenado por sonegação de impostos. Lula pode cair pelo tríplex, pelo sítio, pelo Instituto, pela empresa de palestras. As rodas da Justiça giram, mas será que rápido o suficiente?

Se não girarem (e os advogados estão aí para isso), vejam o lindo futuro que se desenha: Lula, condenado apenas em primeira instância, entra na disputa eleitoral. Ou então, ainda que condenado em segunda, dá um “jeitinho” para barrar a aplicação da Ficha Limpa e concorre sub judice. Uma vez candidato, depois da campanha mais virulenta e desgastant­e da história deste país, vence.

Neste ponto, o jogo político engole o jurídico. O Judiciário terá um dilema em mãos: condenar o presidente eleito, declarando sua candidatur­a inválida, numa decisão incendiári­a, que pode bem descambar para violência aberta nas ruas. Ou então baixa a cabeça, mostra-se submisso ao Executivo, e o presidente estará oficialmen­te acima da lei. E daí o tríplex não terá sido lapso imprudente de onipotênci­a, mas o prenúncio de sua consagraçã­o. A TV Justiça ainda vai bater o Netflix.

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