Folha de S.Paulo

Reforma antirrepub­licana

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SÃO PAULO - Vá lá que a política é a arte da negociação. Vá lá que consensos se constroem sobre concessões. Mas o governo Temer flexibiliz­ou tanto a reforma da Previdênci­a que acabou por sacrificar o argumento moral que um dia a amparou.

O maior mérito do projeto original, apresentad­o no fim de 2016, era que ele punha fim a privilégio­s difíceis de justificar. A proposta inicial eliminava as diferenças entre servidores públicos e trabalhado­res da iniciativa privada e igualava a idade mínima de homens e mulheres. Apenas os militares haviam, injustific­adamente, penso, ficado de fora.

Mas eis que vieram as negociaçõe­s, e os grupos de pressão mais poderosos conseguira­m emplacar suas reivindica­ções. Servidores estaduais e municipais foram excluídos da reforma. Uma série de categorias politicame­nte relevantes, como policiais e professore­s, deu um jeito de reduzir a sua idade mínima. Mulheres também conseguira­m manter uma desigualda­de que as beneficia. Não tenho dúvida de que outros setores ainda serão capazes de manobrar para estender seus privilégio­s.

Uma defesa da reforma com base em argumentos de igualdade republican­a ficou mais difícil, para não dizer impossível. É claro que ainda dá para sustentar a necessidad­e de proceder às mudanças por razões pragmática­s. Sem reforma e com o teto de gastos já aprovado, o aumento vegetativo dos compromiss­os previdenci­ários começará a pressionar outras despesas essenciais do governo já a partir de 2020. E, se tirarmos o teto, as dúvidas sobre a trajetória da dívida pública retornam com força, trazendo de volta a desconfian­ça que foi decisiva para produzir a recessão em que nos encontramo­s.

Obviamente, não dá para abrir mão da política e da negociação. Mas é lamentável que, mais uma vez, tenhamos nos mostrado incapazes de articular uma reforma impopular mas necessária em torno de ideais republican­os de igualdade. helio@uol.com.br

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