Negar política é a pior política, diz Marina
Para potencial presidenciável em 2018, anos de polarização PT-PSDB impulsionaram ‘efeito Bolsonaro’ no Brasil
Ex-ministra diz que as reformas de Temer são necessárias, mas que o presidente as faz sem diálogo e credibilidade
A onda antipolítica não é apenas um risco à democracia, mas uma falácia, diz Marina Silva. “Esta politica de negar a politica, para mim, é a pior política. E mesmo o que se diz apolítico faz a política de se dizer apolítico”, afirma.
A ex-senadora por PT e PV, que em 2015 criou seu própria sigla, a Rede, diz ainda não saber se concorrerá à Presidência —quando o fez em 2010 e 2014, apresentando-se como a “sonhática” da terceira via, 20% do eleitorado a apoiou.
Em pesquisa Datafolha de abril, só ela e o juiz Sergio Moro (que nunca se colocou como candidato) ficariam à frente de Lula no segundo turno. No quadro geral, o deputado Jair Bolsonaro (PSC) encostou em Marina no segundo lugar.
Folha - Em dezembro, a sra. evocou “Rei Lear” (Shakespeare) em artigo sobre alguém sem “grandeza para abrir mão de ser rei quando já perdeu a majestade”. Parecia sugerir a renúncia de Michel Temer.
Marina Silva - Do mundo das metáforas ao da realidade: a que está colocada hoje é a do processo no Tribunal Superior Eleitoral [que pede a cassação da chapa Dilma-Temer]. O relatório do ministro Herman Benjamin está muito bem fundamentado sobre ter tido, sim, fraude eleitoral, caixa dois, propina. O melhor caminho é a Justiça Eleitoral fazer o mesmo que a criminal [na Lava Jato], mostrar que o crime da corrupção não compensa. A sra. já representou o “outsider” da política tradicional. Hoje se fala em autointitulados antipolíticos, de João Doria a Luciano Huck. A fadiga com todos os políticos é geral?
Nunca fiz nenhum discurso de negação da política. Se entrou com 17 anos [no meio], foi vereadora, deputada estadual, senadora, ministra do Meio Ambiente, é pessoa com ação política. Aliás, esta politica de negar a politica, para mim, é a pior política. Mesmo o que se diz apolítico faz a política de se dizer apolítico. Nome da extrema direita, Jair Bolsonaro (PSC-RJ) subiu na pesquisa Datafolha e disputa com a sra. o segundo lugar.
Acho que no Brasil, infelizmente, as pessoas não conseguiram criar um lugar de fala para quem não está no campo gravitacional da polarização. Isso acaba ajudando a fortalecer essas formas extremas de polarizar. PT e PSDB foram [os grandes polos]. Em pesquisa de 2016, a sra. chegou a desbancar Lula para a corrida presidencial. Ele recuperou a dianteira em meio a acusações na Lava Jato. Ao que atribui sua resiliência?
Querer cristalizar alguma rigidez [nas pesquisas] pode ser prematuro. Nesse momento, o trabalho da Lava Jato traz [à tona] uma série de problemas ligados à jovem democracia. Outros querem, dentro da reforma política, dar aos grandes partidos possibilidade de serem únicos, impedindo um sopro de vida [na vida política]. Nem todos eles se constituem como sigla de aluguel. A tentativa de impor uma cláusula de barreira para impedir os pequenos partidos... Se existe o que foi alugado, alguém alugou. Há corrupto e corruptor. A sra. conversou com o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, sobre possível filiação deles à Rede, como foi divulgado?
Quem passou a informação de que houve conversa com Dallagnol mentiu. Com Joaquim teve conversa, mas não sobre filiação. Essas pessoas têm relevância e audiência própria para se manifestarem por elas mesmas. Não gosto de dar munição para que fiquem dizendo que o trabalho que fazem foi por interesse político. A sra. diz que a reforma da Previdência é necessária, mas que ela está sendo implementada de forma arbitrária.
Nem Dilma nem Temer colocaram este debate no plano de governo. Aliás, o Brasil estava tão perfeito no marketing deles que não precisava fazer mais nada, era como se fosse o fim da história. Em 2014, quando declarei ser preciso atualizar a legislação trabalhista, veio aquela frase [da Dilma]: as coisas não aconteceriam nem que a vaca tossisse. Agora Temer, sem popularidade ou credibilidade, faz reformas delicadas sem diálogo. A sra. se encontrou com Marcelo Odebrecht em 2014 e, em seguida, a empreiteira doou à sua campanha R$ 1,2 mi- lhões [sem contrapartida e caixa dois, segundo delator]. É possível fazer política sem dialogar com essas forças empresariais onipresentes?
A diferença é que [a reunião] foi republicana. Fui senadora por 16 anos, ministra por 5,5 anos. Por minha mão passaram vários projetos importantes e graças a Deus ninguém apontou [ilicitudes]. O errado não é a conversa, é usála para fazer coisas espúrias.