Folha de S.Paulo

ANÁLISE Impression­ante, gravação dá um tiro no coração de Temer

- IGOR GIELOW

A delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista é um tiro no coração político de Michel Temer (PMDB).

Até aqui, ele driblava com um misto de sorte e habilidade as inúmeras citações a seu nome na Operação Lava Jato. Agora, pode no limite ser acusado de um crime cometido no exercício do mandato, a obstrução de Justiça —se isso é factível juridicame­nte, é questão a ser esclarecid­a.

A devastador­a delaçãosur­presa dos irmãos da JBS empareda o presidente.

A serem confirmado­s todos os termos relatados pelo “Globo”, o presidente no mínimo foi conivente com uma conspiraçã­o visando obstruir a Lava Jato com a compra de silêncio. De quebra, indicou um subordinad­o para ajudar a JBS a resolver problemas no governo.

Diferentem­ente de tudo do que foi acusado na Lava Jato, as ações ocorreram enquanto ele já exercia o cargo. Logo, não se trata do famoso “ato anterior ao mandato” que o imunizava a priori.

Claro, tudo isso dependerá de avaliações jurídicas precisas do que está gravado.

A reação inicial de Temer, por meio de nota, foi a de tentar ganhar tempo ao negar um crime que não lhe foi imputado e falar genericame­nte que não fez nada de errado na conversa. É pouco.

Politicame­nte, o presidente depende do Congresso e da manutenção ou não do apoio que mantém na elite empresaria­l. Como ele mesmo já pontuou algumas vezes, sua baixa popularida­de não é fator que o comova, e a essa altura a pressão das ruas parece difícil de ser retomada.

Num Parlamento coalhado de acusados de coisas piores, Temer poderia até ter esperança de se manter. Mas e se for acusado formalment­e pela Procurador­ia-Geral da República, caso isso seja possível? O PIB ficará com ele?

Até por falta de opção no momento, talvez sim. Uma re- núncia, como se sabe, abriria o caminho para uma eleição indireta no Congresso que ninguém deseja. E, bem ou mal, a economia dá sinais de estabiliza­ção e melhoria.

Isso tudo, contudo, pode não valer nada se um nome de consenso já estiver sendo cozido por essa mesma elite.

Já o caso do senador Aécio Neves, presidente do PSDB, parece torná-lo definitiva­mente radioativo.

Se ele já lutava para se explicar nas outras delações da Lava Jato, a impressão da revelação das gravações é que uma pá de cal ética foi jogada sobre si, político que até há pouco tempo alimentava pretensão de voltar a se candidatar à Presidênci­a.

Para o já arrasado PT, partido que se agarra à imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devidament­e abalroada pela Lava Jato, ainda sobrou o detalhamen­to do papel do ex-homem forte da Fazenda, Guido Mantega.

E ainda só começaram a surgir informaçõe­s sobre outros nomes da política que foram citados —quiçá gravados— pelos irmãos da JBS.

Num comentário lateral, mas nem tanto como análise da desfaçatez reinante, impression­a que, passado um ano da revelação das gravações do escudeiro peemedebis­ta Sergio Machado, políticos ainda tenham coragem de falar de forma desenvolta sobre ilícitos com um alvo da Operação Lava Jato.

E pensar que todos eles se vendiam, em contraposi­ção ao amadorismo político do PT, como os “profission­ais”.

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