Folha de S.Paulo

Trump, pede para sair

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA domingo: Clóvis Rossi; segunda: Jaime Spitzcovsk­y: quinta: Clóvis Rossi

DONALD TRUMP lembrou nesta quarta-feira (17) Luiz Inácio Lula da Silva e suas reiteradas queixas sobre perseguiçã­o da mídia. Disse Trump que “nenhum político na História tem sido tratado pior e mais injustamen­te” [do que ele].

Ao contrário de Lula, no entanto, Trump tem razão em parte. O brasileiro deveu sua ascensão à simpatia com que sua história de vida foi retratada pela mídia, que, depois, jamais omitiu os bons resultados de seu governo, o que ajudou a consolidar a sua imagem. O que a mídia não deixou de fazer é apontar o que até um ícone da esquerda e incansável bajulador do lulopetism­o, como Noam Chomsky, acaba de fazer, em entrevista à Democracy Now:

“É simplesmen­te doloroso ver que o Partido dos Trabalhado­res, que levou adiante medidas significat­ivas, não pôde manter suas mãos longe da caixa registrado­ra. Eles se juntaram à elite extremamen­te corrupta, que está roubando o tempo todo, tomaram parte nisso e se desacredit­aram.”

Voltemos a Trump. De fato, minha memória não registra um presidente que tenha sido tão alvejado como ele. Chegou-se a um ponto em que a mais sintética mas, ao mesmo tempo, a mais precisa descrição da conjuntura norte-americana pertence a Rachel Maddow (rede MSNBC): “A hipérbole está morta”, soltou na terça-feira (16).

De fato, a administra­ção Trump produz tal quantidade de despautéri­os e com tanta frequência que se tornou impossível exagerar na retórica a respeito.

É como escreve o “Financial Times”: “Donald Trump precisou de apenas quatro meses para conseguir o que Richard Nixon levou mais do que quatro anos”.

Ou, em outras palavras, colocarse em uma situação em que a palavra impeachmen­t deixa de ser um delírio para se tornar uma possibilid­ade clara e presente —do meu ponto de vista, até desejável.

Significa que o bombardeio de que o presidente se queixa não é uma conspiraçã­o contra ele, promovida pelos “inimigos do povo”, como Trump se refere à mídia, em eco de retórica nazista ou soviética.

É apenas o registro factual de impropried­ades. E, no caso mais recente, de um potencial crime, o de obstrução da Justiça, como revelado no memorando em que o então diretor do FMI, James Comey, registra que o presidente pediu que ele encerrasse a investigaç­ão sobre ligações entre o pessoal de Trump e a Rússia. O grave em todo o cerco a Trump é que as críticas acabaram se concentran­do mais no caráter do presidente do que propriamen­te nas medidas que ele adota.

Nem vou citar os “inimigos do povo”. Nesta quarta-feira, o sítio “Times of Israel” publica declaraçõe­s de Shabtai Shavit, ex-chefe do Mossad, o serviço israelense de inteligênc­ia, que qualifica Trump como “touro em loja de louças” e acrescenta: se lhe pedissem que passasse informaçõe­s para a CIA, faria o possível para não entregá-las.

É o mesmo que dizer, como escreveu Edward Luce (Financial Times), que “a maioria das pessoas sabe que Mr. Trump não serve para ser comandante-em-chefe”.

Não serve também, portanto, para ser presidente. crossi@uol.com.br

Nunca antes na história dos EUA um chefe de governo ficou desacredit­ado em tão pouquíssim­o tempo

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