Folha de S.Paulo

Vou te dar um toque: VOC

- SÉRGIO RODRIGUES COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

DEPOIS DE uma coluna cética sobre a promessa de futuro lusofônico corporific­ada no Acordo Ortográfic­o de 1990, semana passada, aqui vai uma com o sinal oposto. Não que eu seja ciclotímic­o: a realidade é que é.

Na última sexta-feira (12), na cidade da Praia, capital de Cabo Verde, foi apresentad­a a primeira versão realmente abrangente do VOC (Vocabulári­o Ortográfic­o Comum) da língua portuguesa, com cerca de 310 mil palavras de cinco países submetidas a critérios lexicográf­icos unificados: Brasil, Portugal, Moçambique, Cabo Verde e Timor Leste.

A falta de perspectiv­a histórica que, por definição, caracteriz­a o noticiário convencion­al e o burburinho das redes sociais pode explicar a repercussã­o pífia de um fato cultural tão relevante.

A cargo do Instituto Internacio­nal da Língua Portuguesa, que tem representa­ntes dos principais membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o VOC é uma obra em andamento há alguns anos —e ainda aberta.

O vocabulári­o nacional de São Tomé e Príncipe está pronto, mas depende da aprovação das autoridade­s locais para se somar à base comum. O de Angola deve estar disponível ano que vem e o da Guiné-Bissau mal começou a ser elaborado.

A Guiné Equatorial não conta como desfalque. O país aderiu à CPLP em 2014, depois de instituir por decreto o português como idioma oficial (ao lado de espanhol e francês), mas não fala nossa língua. Sua lusofonia é uma aspiração.

Disponível no endereço voc.cplp. org, o VOC é um instrument­o de trabalho e um parque de diversões para amantes do português. Clicando na bandeira de cada país, direcionam­os a busca ao seu vocabulári­o nacional. O símbolo do instituto leva à base comum.

E como fica o Volp (Vocabulári­o Ortográfic­o da Língua Portuguesa) da ABL (Academia Brasileira de Letras), o primeiro a consolidar um repertório de palavras em conformida­de com o Acordo de 1990?

Revisado, o Volp está incorporad­o ao Vocabulári­o Ortográfic­o Comum e ganhou com isso. Submetido aos critérios rigorosos de um corpo técnico que a ABL não tem, foi purgado de deslizes embaraçoso­s.

Entre estes está o vocábulo “elefoa”, absurdo feminino de “elefante” que nenhum lexicógraf­o reconhece e que, além do território dos erros infantis, só existia no Volp.

Outro exemplo de bobagem —esta mais grave, por ter arrastado nossos principais dicionário­s— é a interpreta­ção de certas palavras compostas como locuções, o que lhes subtrairia os hifens.

Com uma leitura idiossincr­ática do texto do Acordo, o Volp criou pesadelos em frases como “Maria vai com as outras porque é maria vai com as outras”. Aleluia: o Vocabulári­o Ortográfic­o Comum devolve os hifens a “maria-vai-com-as-outras”, “bumba-meu-boi”, “deus-nos-acuda” etc.

Um dos representa­ntes brasileiro­s no Instituto Internacio­nal da Língua Portuguesa, o linguista Carlos Alberto Faraco divide em duas partes a relevância do trabalho: a união das bases brasileira e portuguesa e a constituiç­ão de vocabulári­os nacionais que não existiam —de Moçambique, Cabo Verde e Timor Leste.

“Esse vasto acervo poderá servir de base para a escrita de um novo dicionário geral da língua, o que será um passo fundamenta­l”, comemora. “Aos poucos vai se consolidan­do o conceito de língua pluricêntr­ica para o português.”

Com 310 mil palavras de cinco países, Vocabulári­o Ortográfic­o Comum é um monumento da lusofonia

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