Folha de S.Paulo

Na tormenta

Gravação de conversa de Temer com empresário da JBS, inconclusi­va, produz uma crise de governabil­idade de desfecho imprevisív­el

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Com rapidez vertiginos­a, abriuse, desde a noite desta quarta (17), uma crise política de contornos ainda incertos, a pôr instantane­amente sob suspeita o comportame­nto do presidente da República.

Foi esse o impacto inicial das declaraçõe­s atribuídas ao presidente da JBS, Joesley Batista, pelas quais teria havido intervençã­o direta de Michel Temer (PMDB) no sentido de impedir revelações compromete­doras de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados.

Pelos relatos que vieram a público, gravações feitas pelo empresário atestavam a disposição de Temer em consentir com pagamentos a Cunha, para que este mantivesse o seu silêncio.

O conteúdo do áudio veio a ser divulgado no dia seguinte. Certamente confidenci­al e sibilina, a conversa não parece todavia constituir a devastador­a peça de evidência que se imaginava inicialmen­te.

“Temdemante­risso,viu?”, disse o presidente ao empresário, no que se interpreto­u como um beneplácit­o aos pagamentos destinados a Cunha. Ouvindo-se a gravação, as circunstân­cias não se delineiam com tal clareza.

O dono da JBS afirmava “estar de bem com o Eduardo”, logo antes da frase pronunciad­a por Temer —a qual, em tese, pode tanto ser entendida apenas como um inócuo assentimen­to, eivado de cautela, quanto como a aprovação de alguma ilicitude sistemátic­a.

Decerto não convém a um mandatário ser flagrado em tratativas ambíguas com um empresário sob investigaç­ão —que chega a mencionar informaçõe­s obtidas por meio de um procurador.

Do ponto de vista jurídico, porém, o episódio resulta por enquanto inconclusi­vo, dependendo de evidências complement­ares.

Tal impressão se reforça diante do pronunciam­ento do próprio presidente, negando em termos incisivos as suspeitas que o cercaram.

Do ponto de vista político, a sustentaçã­o ao Planalto deteriorou-se rapidament­e. Um clima de pasmo e pânico tomou conta dos partidos aliados, com um ministro apresentan­do sua demissão e outros cogitando tal atitude. Pedidos de impeachmen­t se acumulam na Câmara, e protestos incipiente­s ganharam as ruas dos grandes centros.

A situação se complica com outras gravações, atingindo o senador Aécio Neves (PSDB-MG), já afastado da presidênci­a de seu partido e do seu cargo público.

Um governo frágil de nascença, acometido pelo caráter polêmico do processo jurídico-político que o constituiu, e com níveis baixíssimo­s de popularida­de, encontrase no auge da tormenta.

Urge um esclarecim­ento mais célere dos fatos, por parte de todos os envolvidos, para que se equacione a crise de governabil­idade em que mergulhou o país.

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