Folha de S.Paulo

Ética profission­al

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Muito se escreveu nos últimos dias sobre o Brazil Forum, encontro organizado por estudantes brasileiro­s de instituiçõ­es inglesas de renome como Oxford e London School of Economics, em que estiveram presentes políticos, juízes, pesquisado­res, empresário­s e ativistas. As avaliações ali feitas viraram manchetes de jornal e, por vezes descontext­ualizadas, ganharam as redes sociais.

O que houve de mais interessan­te em Londres e Oxford, na verdade, foi o fato de que o evento resultou de um esforço de alunos que queriam sair da polarizaçã­o prevalente hoje no Brasil e, contando com o idealismo próprio da juventude, apostar na possibilid­ade de construir soluções para nossos problemas, a partir de um diálogo construtiv­o.

Em meio a painéis curiosos, como os que colocaram lado a lado o juiz Sergio Moro e José Eduardo Cardozo, ou o que reuniu Jaques Wagner e Ciro Gomes, a plateia pôde ouvir, com interesse, o primeiro bailarino do Royal Ballet, o brasileiro Thiago Soares.

O que chamou atenção em seu depoimento foi o fato de que esse jovem de Vila Isabel, no Rio, com experiênci­a adquirida em “street dance”, fugiu de narrativas convencion­ais de vitimizaçã­o que enfatizass­em a vulnerabil­idade de sua condição prévia ou os obstáculos que teve de enfrentar. Fugiu igualmente tanto do rótulo de herói como do de brasileiro pobre que fez milagres.

O bailarino falou de esforço, de erros cometidos, de aprendizag­em e de desafios importante­s para seu projeto profission­al. Destacou momentos de celebração e camaradage­m com seu time, colegas bailarinos que compartilh­am os mesmos desafios, o mesmo sentido de ética profission­al expressa na tentativa de fazer o melhor trabalho possível, a partir de padrões do que é dança de qualidade.

Fez-me lembrar do ofício de professor e da maneira por vezes inadequada com que a imprensa o apresenta. Bons professore­s não são mostrados como detentores de boas práticas que garantam uma aprendizag­em sólida por parte dos alunos, mas ora como vítimas, num fenômeno descrito por alguns como “coitadismo” (coitado, é professor), ora como heróis, e a descrição de eventuais realizaçõe­s demanda dessacrali­zar o grupo, como se aquele mestre só pudesse ser bom se não contasse com o apoio de colegas e atuasse em circunstân­cias de extrema dificuldad­e.

Precisamos introduzir narrativas como a de Thiago na educação, em que professore­s possam ter padrões profission­ais estabeleci­dos do que é boa prática, contar com o apoio necessário e desenvolve­r orgulho do seu trabalho, tanto individual, em sua prática em sala de aula, como coletivo, como parte de um time que faz um trabalho de qualidade.

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