Folha de S.Paulo

Temer é vítima de uma conspiraçã­o

- REINALDO AZEVEDO

PESQUISEM A etimologia da palavra “conspiraçã­o”. Lá está o verbo “spiiro”, que significa “soprar”, “respirar”, mas também “emitir um odor”. A conspiraçã­o, então, é uma teia de sopros, respiros e odores subalterno­s. Metaforica­mente, é o cochicho das sombras. Cecília Meireles soube trabalhar tal origem no seu magnífico “Romanceiro da Inconfidên­cia”. Pesquisem a respeito.

É claro que o presidente Michel Temer está sendo vítima de uma conspiraçã­o meticulosa e muito bem-sucedida. Todos sabem que os irmãos Joesley e Wesley Batista eram íntimos e grandes beneficiár­ios do regime petista. Aliás, davase de barato: querem pegar o PT? Então peguem a JBS. A coisa ganhou até tradução popular. Que jornalista não foi indagado no táxi sobre uma suposta fazenda de Lulinha, em sociedade com a JBS? Que se saiba, tudo conversa mole. Nunca houve.

Mas a dupla caiu na rede da Lava Jato. Os irmãos foram assediados pela força-tarefa. Sabe-se lá com quantas ameaças. Como não devem ter memória muito limpa do que fizeram nos verões passados, resolveram “colaborar”. Mas não com uma delação premiada no molde Marcelo Odebrecht. Não!

Empregou-se a tática aplicada no caso Sérgio Machado, aquele que se dispôs a gravar peixões da República. Com a mesma generosida­de. Em troca, os filhos de Machado nem processado­s foram. O criminoso pegou dois anos e três meses de cadeia em sua mansão, em Fortaleza.

Aos irmãos Batista se ofereceu ainda mais: “Entreguem o presidente da República, apelando a uma conversa induzida, gravada de forma clandestin­a. Façam o mesmo com o principal líder da oposição, e vocês nem precisarão ficar no Brasil, sentindo o odor dessa pobrada, que vai pagar o pato. Nós os condenarem­os a morar em apartament­o de bilionário em Nova York. Impunidade nunca mais!” Querem saber? Sim, sou grato ao Ministério Público Federal e à tal força-tarefa. Oh, sim, também pelos relevantes serviços prestados no combate à corrupção. Lembrando o cineasta Bertolucci, sob o pretexto de caçar tarados, vocês ainda chegam ao fascismo, valentes! Avante, “giovinezza, giovinezza,/ Primavera di bellezza/ (...)/ Per Janot, Dallagnol, la mostra Patria bella”.

Sim, sou grato a todos os Torquemada­s e Savonarola­s da política porque admitem, na prática, agora sem nesga para contestaçã­o, que eu estava certo. Os procurador­es têm um projeto de poder e estão destinados a refundar a República. E, por óbvio, seu viés é de natureza revolucion­ária, não reformista. Em recente prefácio que escreveu, o juiz Sergio Moro alcançou voos condoreiro­s: haverá dor.

Sim, sou grato a esses patriotas porque, quando afirmei, há meses, que a direita xucra estava se juntando a alguns porras-loucas, com poder de polícia, para devolver o poder às esquerdas, alguns tentaram me tachar de maluco. Perdi amigos —não por iniciativa minha. E, no entanto, tudo está aí, claro como a luz do dia.

Então vamos ver. O presidente Michel Temer disse que não renuncia. Sim, ele é um político, é hábil, é conscienci­oso e certamente saberá avaliar, de forma criteriosa, as circunstân­cias. Estas são sempre boas conselheir­as dos prudentes. Como ele próprio lembrou, trechos de gravações vêm a público naquele que é o melhor momento do governo.

No breve pronunciam­ento que fez nesta quinta, Temer subiu um pouco o tom —ou o som— que lhe é habitual. Havia uma irritação extrema, mas contida (como é de seu feitio). A tensão era óbvia.

O Brasil está pronto para ser o território livre do surrealism­o jurídico.

Ali falava um presidente da República, ninguém menos, a negar a renúncia, mas sem saber do que era acusado. Tinha consciênci­a, sim, de que o relator do petrolão no STF, Edson Fachin, já havia aceitado o pedido de investigaç­ão. Mas ele próprio não tinha ouvido nada. O conteúdo já foi liberado.

Ali falava um presidente da República, ninguém menos, que lutava para não ser refém do Terror Jurídico em curso no país. Sob o pretexto de “cassar tarados”.

O Brasil afunda, e a esquerda deita e rola.

Os procurador­es têm um projeto de poder e estão destinados a refundar a República

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