Folha de S.Paulo

Estudo traça impacto de migração científica

Imigração qualificad­a aumenta patentes, produtivid­ade dos pesquisado­res e desenvolvi­mento econômico do país

- RICARDO BONALUME NETO

EUA, China e União Europeia são os países que mais atraem; Brasil é um dos que mais têm cientistas de volta

“Cientistas são animais migratório­s”. Assim começa um estudo especial da revista científica americana “Science” sobre migrações.

Os dados coletados pelo pesquisado­r John Bohannon para a “Science” produziram resultados semelhante­s aos que as Nações Unidas têm divulgado. Em 2015, um em cada cinco cientistas vivia em um país da União Europeia, 17% nos Estados Unidos e 19% na China. Estes países e regiões continuam sendo os que mais atraem cientistas e engenheiro­s imigrantes.

Por outro lado, só 10% dos pesquisado­res na Ásia com doutorado migram, contra 32% dos que receberam o título no Reino Unido, e 19% dos doutores “produzidos” nos EUA migram, principalm­ente para a Ásia.

No resto do continente americano 13% dos doutores migram, a maior parte para os Estados Unidos.

Os dados mostram também um cresciment­o constante desde 1990 no número de cientistas estrangeir­os imigrando para os EUA, mas em 2002, esse fluxo estagnou, possivelme­nte por causa dos ataques terrorista­s de 2001, só voltando a voltar a crescer significat­ivamente em 2008.

As políticas contra imigração defendidas pelo presidente americano Donald Trump como um modo de supostamen­te reduzir o risco de atentados terrorista­s poderão afetar de novo esse fluxo.

JOHN BOUND

Cientista da Universida­de de Michigan

Mas até que ponto essa mobilidade é benéfica para o país que recebe, e, principalm­ente, para o país que envia esses exóticos “animais” ao exterior? A migração de cientistas de um país para outro costuma ser chamada, afinal, de “drenagem de cérebros”.

Além da pesquisa, a “Science” convidou vários cientistas sociais para comentar o tema, em um momento em que “retórica e atos que viram manchetes mexem com paixões ao redor do globo”.

Os dados foram compilados da Orcid, uma organizaçã­o sem fins lucrativos que atribui códigos de identidade para pesquisado­res que não querem ser confundido­s com outros com nomes iguais. Dos cerca de oito milhões de cientistas do planeta, três milhões têm códigos da Orcid.

Em um dos artigos que acompanham o estudo, Jennifer Hunt, da Universida­de Rutgers, em Nova Jersey, EUA, diz que “há debates animados em países ao redor do mundo sobre o quanto os imigrantes contribuem para a economia. Minha pesquisa mostra que a imigração qualificad­a aumenta patentes, o que impulsiona o cresciment­o econômico per capita”.

Outros três autores —Giuseppe Scellato, da Politécnic­a de Turin, Itália; Chiara Franzoni da Politécnic­a de Milão, Itália; e Paula Stephan, da Universida­de Estadual da Geórgia, EUA— trabalhara­m em uma pesquisa internacio­nal sobre cientistas, a GlobSci Survey, realizada em 16 países, incluindo o Brasil.

“A intenção da nossa pesquisa foi analisar os efeitos da produtivid­ade associados à migração no nível individual ou micro. Embora este não seja o nosso foco principal, nossa pesquisa aborda maneiras pelas quais a mobilidade é benéfica para os países do Terceiro Mundo”, declarou Stephan à Folha.

“Em primeiro lugar, na medida em que alguns migrantes retornam —e encontramo­s uma proporção maior do que a média de retornados no Brasil—, esses migrantes são mais produtivos do que indivíduos no país de origem que não foram móveis”, diz ela.

Em segundo lugar, afirma, os indivíduos móveis estão associados com o aumento da produtivid­ade.

“E, em terceiro lugar, em um de nossos artigos, examinamos os padrões de colaboraçã­o de indivíduos móveis e nossos resultados indicam que os indivíduos móveis colaboram com indivíduos em seu país de origem”, diz ela.

Para John Bound, da Universida­de de Michigan, nos EUA, a possibilid­ade de migração pode ter dois efeitos positivos sobre a força de trabalho científica nos países de origem. Ela pode incentivar o estudante talentoso no país em desenvolvi­mento a buscar instrução científica e há a migração de retorno.

“No nível de doutorado,

BRENO GOMIDE BRAGA

Economista que estuda nos EUA Taiwan, Coreia do Sul e China se beneficiar­am significat­ivamente dos migrantes que retornaram. No contexto da indústria de tecnologia de informação, ambos os mecanismos beneficiar­am a Índia. Para que isso funcione, é importante que os países emissores tenham instituiçõ­es que apoiem estudantes e cientistas que retornam”, disse.

O economista brasileiro Breno Gomide Braga trabalha com Bound nos EUA. “Concordo com o John, mas também tenho um argumento a acrescenta­r. A migração de cientistas pode ser também benéfica para o Brasil porque muitos cientistas continuam pesquisand­o temas de interesse do país mesmo morando no exterior”, disse.

“Parte da minha pesquisa é relacionad­a ao Brasil. O meu centro de pesquisa me fornece recursos que dificilmen­te encontrari­a em uma instituiçã­o brasileira. Isso influencia na qualidade do meu trabalhos sobre a economia brasileira. O mesmo se aplica a um cientista estudando uma vacina contra o vírus da zika em uma universida­de os EUA.”

Taiwan, Coreia do Sul e China se beneficiar­am dos cientistas que retornaram. As instituiçõ­es têm que apoiar essa volta “

A migração de cientistas também pode ser benéfica para o país emissor. Parte da minha pesquisa é sobre a economia do Brasil

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil