Folha de S.Paulo

Virada do desperdíci­o

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Esta coluna poderia ter diferentes títulos: Virada esvaziada; do Fora Temer; do desfile (e violência) policial na cracolândi­a; do Bradesco. Mas como Doria interferiu diretament­e na Virada, vamos analisá-la sob a ótica da gestão. E, nesse sentido, ela foi um desastre organizati­vo e econômico. Indiscutiv­elmente, teve a pior relação custo/benefício das suas 13 edições.

Proposta por Serra em 2005, a Virada articulou cultura e espaço público, tornando-se o maior festival de cultura do mundo. Atravessou três gestões como uma festa da cidade, sem coloração partidária, mas o prefeito resolveu desconstru­ir sua concepção.

Desconhece­ndo a dinâmica urbana e cultural de São Paulo, quis confinar o evento ao autódromo de Interlagos, revelando uma visão segregador­a que se opõe ao conceito de ocupação do espaço público ancorado na criação, na convivênci­a e na cidadania cultural.

Embora aprecie eventos em suas regiões, o paulistano também quer vir ao centro, que é de todos, rejeitando o confinamen­to no “gueto”. A Virada sempre foi o momento de encontro dos jovens de diferentes regiões, classes e gostos culturais.

Para conciliar o desejo do prefeito com o vigor da Virada, a Secretaria de Cultura gerou seu esvaziamen­to. Retiraram os grandes shows do centro e propuseram uma descentral­ização que, embora anunciada como novidade, já vinha ocorrendo há vários anos.

Em 2016, além do centro, a Virada ocorreu em 81 diferentes pontos da cidade, em todas as subprefeit­uras, incluindo palcos externos, Ruas Abertas e equipament­os municipais, com atividades complement­ares às do centro, para um público específico. Essa descentral­ização, entretanto, não alterou o seu espírito. Um grande público, atraído por artistas renomados, circulava por 24 horas no centro, usufruindo da diversidad­e e conhecendo novos artistas, linguagens e gêneros.

Em 2017, a potência do centro não se transferiu para os caros palcos descentral­izados, situados em locais de difícil acesso. Shows foram cancelados ou tiveram um público incompatív­el com a importânci­a do artista; o participan­te da Virada não quer ir a um espetáculo, quer circular entre várias atrações.

Além da censura velada aos artistas, a desarticul­ação institucio­nal gerou situações constrange­doras. Em Interlagos, a programaçã­o infantil ocorreu simultanea­mente a uma corrida automobilí­stica, para espanto dos poucos que foram assistir.

Nada, entretanto, foi pior que a falta de preocupaçã­o em programar uma operação policial de grande envergadur­a e violência no mesmo horário e a poucos metros de onde estava previsto o, até então, maior evento cultural do país...

O dia da Virada, que deveria ser de alegria e convivênci­a, tornou-se ainda mais pesado que o momento que vive o Brasil.

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