Folha de S.Paulo

O fim do que não acabou

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Em meio à rumorosa operação deste domingo (21) na cracolândi­a do centro paulistano, um dependente químico perguntava a policiais e garis —em vão— sobre como poderia se internar.

Relatada por esta Folha , a cena exemplific­a os limites daquela ação repressiva, centrada basicament­e na recuperaçã­o, sem dúvida imperativa, de um território controlado pelo narcotráfi­co.

A experiênci­a mostra que a mera retirada de usuários, associada à prisão pontual de traficante­s, é falha sem o complement­o de estratégia­s de atendiment­o a uma população extremamen­te vulnerável.

Assim se deu em 2012, quando a Polícia Militar ocupou as ruas da Luz, provocando a dispersão apenas temporária dos dependente­s.

Não obstante, o prefeito João Doria (PSDB) apressou-se em anunciar, no domingo, o fim da cracolândi­a, em desarmonia com o governador Geraldo Alckmin, seu correligio­nário (e, afinal, responsáve­l pela política de segurança pública), que preferiu falar em “questão crônica”. No dia seguinte, Doria moderou sua retórica.

Para além das sentenças conflitant­es, não se viu simbiose entre a operação da polícia e o aparato de assistênci­a social do município. O prefeito foi vago ao explicar como se pretende lidar com as centenas de viciados agora espalhados pelas proximidad­es do local, provavelme­nte sem maior dificuldad­e para conseguir as pedras baratas do crack.

O que se sabe é que se retirou dali a placa do programa De Braços Abertos, de Fernando Haddad (PT), baseado no conceito de redução de danos e motivo de infindávei­s refregas de natureza mais ideológica do que prática.

Outra incógnita é o que governo do Estado e prefeitura planejam fazer com as outras cracolândi­as distribuíd­as pela cidade, como a que está instalada ao lado da Ceagesp —com os mesmos problemas de consumo e venda de entorpecen­tes à vista de todos.

São questões que desafiam as autoridade­s há duas décadas, o que mostra inexistir solução simples. Com prefeito e governador do mesmo partido, esperava-se, ao menos, uma atuação mais afinada.

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