Crise existencial
SÃO PAULO - O único propósito do governo Temer, sua razão mesma de ser, era promover as reformas que facilitariam a recuperação econômica e permitiriam ao próximo presidente governar sem a faca enfiada muito fundo no pescoço. Temer até que vinha bem. Conseguiu aprovar a PEC do teto de gastos e o socorro aos Estados falidos. Mudanças na legislação trabalhista e na Previdência, apesar de sua impopularidade intrínseca, avançavam. Do lado da economia real, já começavam a surgir tímidos sinais de melhora. Agora, tudo mudou.
A divulgação da fita de Joesley Batista fere, provavelmente de modo mortal, o presidente. No plano jurídico, pelo que foi divulgado até agora, ele até teria como se salvar. Parece haver um festival de vícios em torno da produção e utilização do material fonográfico, que os competentes advogados de Temer saberão explorar.
Aliás, não há como deixar de dar uma reprimenda na ProcuradoriaGeral da República, que agiu aqui com um amadorismo raras vezes visto. É inacreditável, por exemplo, que não tenha periciado a gravação antes de usá-la num caso que pode derrubar não um Zé das Couves, mas o presidente da República. Também achei despropositado o tamanho dos benefícios concedidos aos irmãos Batista, que não terão de usar tornozeleira e poderão ficar no comando da empresa. Soa estranho ainda que a PGR não tenha tomado medidas para evitar que a JBS operasse no mercado utilizando-se das informações privilegiadas que tinha.
Só que nada disso resolve o problema de Temer, que é político. Não parece haver chance de ele não sair muito ferido desse episódio. Três partidos que compunham sua base já a abandonaram e outros poderão seguir. E, a menos que Temer conserve cacife para assegurar a aprovação da reforma da Previdência, ele perde sua própria razão de existir — caso em que as forças que o apoiam tendem a buscar uma alternativa.
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