GOVERNO ENCURRALADO Perito pago por defesa de presidente diz que áudio não serve como prova
Para Ricardo Molina, Procuradoria-Geral foi ‘ingênua’ ao usar gravação para abrir inquérito
Áudio é uma das bases de investigação contra Temer por suspeita de três crimes; PGR diz que aguardará perícia
Contratado pela defesa de Michel Temer, o perito Ricardo Molina disse que a PGR (Procuradoria-Geral da República) é “ingênua” e “incompetente” ao utilizar a gravação de conversa entre Joesley Batista e o presidente como prova para pedir um inquérito contra o peemedebista.
Segundo o perito, o gravador usado pelo empresário da JBS é “vagabundo” e “não é possível” garantir que a gravação seja “autêntica”. Portanto, argumenta Molina, o áudio é “prova imprestável para fins judiciais”.
Ele não teve acesso ao aparelho usado na gravação.
“O que tem no laudo [da PGR sobre a gravação] é coisa de gente que não sabe mexer em áudio”, disse o perito. “Não vou citar nomes, mas conheço quem assina [o documento da PGR] e, se colocarem eles aqui na minha frente, vão começar a gaguejar.”
No inquérito de Temer, aberto pelo ministro do Supremo Edson Fachin, a PGR aponta suspeita de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça.
O áudio gravado por Joesley em conversa com Temer no Palácio do Jaburu, em 7 de março, é um dos elementos da investigação. Além da gravação da conversa, a PGR lista outras suspeitas, como o recebimento de R$ 500 mil pelo deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDBPR), aliado do presidente.
No documento apresentado pela PGR é dito que a gravação foi analisada de forma “preliminar, submetido a oitiva sob a perspectiva exclu- siva de percepção humana”.
“Nesse contexto, o objetivo do trabalho foi verificar se os diálogos existentes nos áudios estão inteligíveis e, se numa análise meramente perfunctória [superficial], os arquivos possuem ou não características iniciais de confiabilidade”, completou.
Molina, durante apresentação de seu laudo e em entrevista à imprensa em Brasília, disse que o áudio está “contaminado por inúmeras descontinuidades”, com diversos pontos “inaudíveis” e de “possível edição”, o que, para ele, seriam “suficientes” para “jogar a gravação no lixo”.
O perito, no entanto, não é assertivo ao responder se há ou não edição no áudio. “Existem dezenas de pontos de descontinuidade” nos quais “se poderia fazer cortes sem deixar vestígios”, afirma.
Questionado diversas vezes por jornalistas se não era possível ser definitivo sobre o tema, disse: “Se você está me colocando na parede, eu diria que sim, que houve edição”.
Uma perícia solicitada pela Folha afirma ter havido “edições”, mas não no ponto em que falam sobre Eduardo Cunha. A Procuradoria diz que os diálogos apontam suspeita de compra do silêncio do ex-presidente da Câmara, hoje preso em Curitiba.
A holding J&F afirmou que “não há chance” de qualquer edição na gravação. O INC (Instituto Nacional de Criminalística) da PF foi acionado pelo STF para fazer a perícia, mas as partes têm direito a discutir os vários aspectos da prova, inclusive com perícias próprias. Não há prazo para a conclusão da análise da PF, mas estima-se que esteja pronta em até 30 dias. CUSTO Molina questionou por que a PGR “se apressou tanto em tornar pública gravação nitidamente corrompida antes de a submeter a uma perícia?”. E continuou ao dizer que a gravação não é original e que a PGR deveria ter pedido o áudio autêntico desde o início. “Por que só agora?”.
Procurada pela reportagem, a PGR diz que aguardará a perícia oficial da PF.
Molina não quis dizer quanto recebeu da defesa de
Suspeitas contra Temer se baseiam não só no áudio, mas no conjunto de relatos da JBS
Temer para analisar a gravação. O advogado Gustavo Guedes afirmou que a contratação foi feita por outro integrante da defesa do peemedebista, Antonio Claudio Mariz de Oliveira. “Foi o doutor Mariz, amanhã vocês perguntam pra ele, mas foi menos do que vocês imaginam.”
O perito foi contratado pela TV Globo na campanha presidencial de 2010 para produzir laudo sobre vídeo com suposto ataque sofrido pelo então candidato tucano, José Serra, durante uma caminhada. Em 2015, o jornal “O Globo” contratou serviços dele para avaliar um áudio divulgado por Eduardo Cunha em que supostos policiais falavam de armação para incriminar o político.