Folha de S.Paulo

Discurso de americano sobre islã foi cauteloso, mas reducionis­ta

- DIOGO BERCITO

mais à direita de sua coalizão.

“Chega de derramamen­to de sangue e de matança. Estou ansioso para discutir o processo de paz com o presidente palestino, [Mahmoud] Abbas” —a quem encontrará nesta terça (23), em Belém, na Cisjordâni­a.

O único assunto consensual, não só em Israel quanto na Arábia Saudita, foi o Irã — considerad­o por ambos os países como uma ameaça.

“Este momento é uma oportunida­de para lutarmos juntos contra países como o Irã, que financia o terrorismo e fomenta uma violência terrível não só aqui como por todo o mundo. Os EUA e Israel têm que declarar, em uníssono, que o Irã não pode ter armas nucleares. Nunca, jamais”, afirmou Trump. GAFE

O discurso de Donald Trump na Arábia Saudita não foi o desastre escabroso e apocalípti­co antecipado.

O presidente dos EUA, que em sua campanha havia dito barbaridad­es como “o islã nos odeia” e sugerido barrar a entrada de muçulmanos, falou no domingo (21) com a cautela de quem monta um camelo pela primeira vez.

Um exemplo de seu cuidado foi o vocabulári­o. Na transcriçã­o oficial do discurso, consta a expressão “terrorismo islamita”, em vez de seu bordão “terrorismo radical islâmico”, considerad­o ofensivo por generaliza­r o islã como uma religião violenta.

Improvisan­do, Trump mencionou também o “terrorismo islâmico” —um deslize explicado por assessores como o resultado do cansaço, e ainda assim melhor do que a sua terminolog­ia usual.

As palavras “islâmico” e “islamita” são por vezes usadas como sinônimo em português, mas há preocupaçã­o nos EUA por uma distinção. Enquanto “islâmico” diz respeito à religião, islamita alude ao projeto fundamenta­lista que une islã e política.

Trump não discursou, é claro, com a preocupaçã­o de um filólogo. Seu enfoque era outro: não incomodar seus potenciais aliados na região.

A fala do presidente havia sido anunciada como um gesto de aproximaçã­o em relação ao islã e seus seguidores, quando foi na verdade um aceno simpático aos líderes de países do Golfo, como a Arábia Saudita, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos.

É um recorte bastante específico, pois só engloba nações sunitas. O sunismo é o ramo majoritári­o do islã, representa­ndo 90% dos fiéis (há 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo, quase um quarto da população total).

Foram excluídos do aceno do americano os xiitas, cerca de 10% dos seguidores e outra importante parte do islã cujo principal expoente é o Irã, que Trump critica.

Os EUA e o Golfo compartilh­am interesses, como frear as ambições geopolític­as iranianas. Há também acordos comerciais envolvendo petróleo e a venda de armas, o que ajuda a explicar a predileção de Trump pela região.

Mas a escolha do palanque abala o pedido, feito no discurso de Trump, de que muçulmanos se unam contra o terrorismo.

A Arábia Saudita exporta justamente a versão radical do islã que é implementa­da por organizaçõ­es terrorista­s como a Al Qaeda e o Estado Islâmico.

Nesse sentido, é representa­tiva —e perturbado­ra— a imagem de Trump com as mãos em um globo brilhante ao lado do rei saudita, Salman, e do presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi.

Esses dois líderes árabes, autocratas, são acusados de violar os direitos humanos, contribuin­do para a instabilid­ade no Oriente Médio.

Se quisesse falar especifica­mente do islã, talvez Trump tivesse que ter viajado à Indonésia, que tem a população muçulmana mais numerosa do mundo, ou ao Egito, o país árabe mais populoso.

Ele também precisaria ter escolhido melhor seus exemplos das contribuiç­ões do Oriente Médio à civilizaçã­o.

Trump citou as Pirâmides de Gizé (Egito) e as ruínas de Petra (Jordânia). São monumentos de fato impression­antes. Mas foram construído­s séculos antes do islã, cujo calendário começa em 622 d.C.

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