Folha de S.Paulo

Propaganda propaganda

- NIZAN GUANAES COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

JOSÉ ZARAGOZA representa para mim a propaganda em que eu acredito e tanto falta hoje em todas as telas e veículos.

Passe uma hora diante da TV e veja quantos comerciais despertam emoção, desejo, admiração e memorabili­dade. Pouquíssim­os.

Dizem que a propaganda morreu e que agora é a vez do “branded content”. Mas toda propaganda propaganda é “branded content”. Dizem que os jovens não gostam de propaganda. Mentira. O que eles não gostam é daquela peça sonolenta, verborrági­ca, em que boa parte da propaganda se tornou.

A propaganda que nasceu “branded content” da cabeça dos geniais Bill Bernbach ou David Ogilvy não era um manual de verdades pequenas sobre um produto, mas um aspecto fundamenta­l desse produto elevado à potência máxima pela inteligênc­ia e o olhar bem-dotado de Bernbach e Ogilvy.

A propaganda propaganda pela qual Zaragoza viveu não é a propaganda que fica falando só com os publicitár­ios nos festivais de publicidad­e pelo mundo. Ela é a propaganda do “pergunte lá no posto Ipiranga” ou a nossa propaganda do bebê Johnson com síndrome de Down. Mesmo com uma verba de veiculação muito pequena, a campanha do bebê arrebatou o Brasil e chacoalhou a internet no horário nobre do Dia das Mães. E o que é isso? É a força da ideia.

A propaganda deve ter o mesmo objetivo do programa de TV: atrair a atenção de quem assiste. Depois, segurar a audiência ao longo de toda a veiculação do comercial e, por meio de cristalina e encantador­a retenção da mensagem, ser memorável para seguir veiculada nas mentes e nas conversas dos que a assistiram.

Propaganda propaganda, volto a repetir, é “branded content”. Só que a maioria das peças na TV são publicidad­es fantasmas porque foram veiculadas, mas jamais criadas. São briefings filmados que ninguém aguenta ver, testados até matar qualquer alegria, excitação e verdade.

O comercial que Bill Bernbach criou para marca de malas décadas atrás era “branded content” puro: um macaco dentro de uma jaula fazendo o diabo com a mala, mostrando de maneira linda e inteligent­e que ela era indestrutí­vel.

A propaganda nasceu assim. E aí vieram as regras, os chavões, os KVs (“keyvisuals”)eessemonte­determos em inglês que fazem pessoas comuns bocejar e pular os comerciais.

José Zaragoza fazia propaganda propaganda. Acreditava nela. E inventou com seus DPZs a agência que simbolizou esse tipo de propaganda criativa e eficiente que não vai morrer com ele.

Eu também acredito nela e modestamen­te digo que tenho procurado fazer propaganda propaganda até os dias de hoje.

Aquele monte de informação às quais as pessoas não prestam atenção não é “hard sell”, é dinheiro desperdiça­do.

E nada destrói mais a propaganda propaganda do que pesquisas obsoletas que criaram uma série de peças baratas que não apaixonam o consumidor porque o consumidor é antes de tudo uma pessoa. E ele não gosta de publicidad­e. Ele gosta da vida. E, se a publicidad­e não tiver vida, ela estará morta.

Propaganda propaganda é entretenim­ento que vende. Isso é o que todos os grandes comerciais do mundo, em qualquer formato e plataforma, têm em comum.

Os festivais de publicidad­e que se destinam a criar o melhor da propaganda acabaram por criar, sem querer, um efeito colateral danoso: propaganda feita para agradar a publicitár­ios.

E essa propaganda que quer fazer sucesso com pesquisa, com PowerPoint e com publicitár­ios pode ser a morte de nossa indústria.

Manter viva a propaganda propaganda que fez de José Zaragoza um ícone é o desafio e a grande oportunida­de das novas gerações.

Propaganda propaganda é entretenim­ento que vende; isso é o que todos os grandes comerciais têm em comum

NIZAN GUANAES,

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