Folha de S.Paulo

Longe do holofote, cracolândi­a fora do centro oferece droga a motorista

Abordagem é feita na Vila Leopoldina (zona oeste), uma das 8 áreas com concentraç­ão de viciados

- LEANDRO MACHADO

Diferentes da ‘matriz’, outras regiões com crack não recebem atenção ostensiva das gestões Doria e Alckmin

Um homem faz sinal com a mão para os motoristas no meio da rua. Parece um flanelinha em busca de um possível cliente: levanta o braço e chama. Porém o que ele oferece não é vaga de estacionam­ento, e sim pedras de crack.

A abordagem é feita à luz do dia para qualquer um que passe na esquina da avenida José César de Oliveira com a rua Doutor Avelino Chaves, na Vila Leopoldina, bairro da zona oeste de São Paulo.

Essa é uma das oito áreas considerad­as pela prefeitura como “minicracol­ândias” fora do tradiciona­l ponto de tráfico e consumo de crack na região da Luz, no centro.

No domingo (21), a cracolândi­a “original” passou por operação policial que prendeu traficante­s e reprimiu aglomeraçõ­es de viciados — em uma ação celebrada pelos governos tucanos de Geraldo Alckmin e João Doria.

Os usuários de drogas que estavam lá acabaram se espalhando pelo entorno, ainda no centro. Agora, um dos efeitos temidos por moradores de alguns bairros é a expansão dessas “minicracol­ândias”.

A Folha visitou cinco desses pontos de tráfico e consumo de crack fora do centro em dias alternados na semana passada e nesta segunda (22).

Diferentes da “matriz”, essas áreas não contam com rede de apoio estruturad­a e permanente como no centro, que tem programas recuperaçã­o da prefeitura e do governo estadual. Em um dos pontos, no Jabaquara (zona sul), só há assistênci­a social e médica uma vez a cada 15 dias.

Também há pouca presença de ONGs que ajudem na alimentaçã­o dos dependente­s ou que fiscalizem a atuação policial —algo comum na cracolândi­a da região central.

Na Vila Leopoldina, por exemplo, cerca de 50 usuários de crack ocupam as calçadas dos arredores da Ceagesp. Só há visitas de assistente­s sociais, médicos e psicólogos uma vez por semana, segundo a própria prefeitura.

A Folha visitou o local quatro vezes, mas não constatou a presença de agentes públicos. Como no centro, os dependente­s ergueram barracos nas calçadas e consomem crack à vista de quem passa.

No meio da rua, uma travessa da avenida Doutor Gastão Vidigal, os traficante­s abordam os carros e oferecem crack —se o motorista demonstrar interesse, é seguido pelo “vendedor”. Esse comércio de droga ocorre a 400 metros de uma delegacia.

Moradores e funcionári­os que trabalham na região disseram que, há alguns meses, a frequência dos atendiment­os da prefeitura aos usuários diminuiu —antes era diária e, agora, é semanal.

Para Nathália Oliveira, presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e Drogas, as “minicracol­ândias” ganharam força após uma ação policial em janeiro de 2012 que expulsou muitos usuários da região central.

Nesta segunda, após a nova ação policial, dependente­s de crack se espalharam pelo centro de São Paulo.

Esse fenômeno pode ter ocorrido na região do viaduto Jabaquara, zona sul. Segundo moradores e comerciant­es, a área foi ocupada no começo de 2012, logo após a ação na cracolândi­a do centro. Hoje, cerca de 30 pessoas em situação de rua vivem embaixo da estrutura —muitas delas foram vistas pela Folha consumindo crack.

A reportagem não encontrou agentes públicos.

“Chegam umas meninas bonitas. Dois meses depois, elas parecem caveiras de tão mal cuidadas que ficam”, diz Neide Pitta, 81, corretora de imóveis e moradora de uma casa ao lado. Para ela, a presença de dependente­s não aumentou a violência. “Eles ficam entre eles”, diz.

Já na zona leste, embaixo da ponte do Aricanduva, usuários se arriscam entre os carros que saem em alta velocidade da marginal Tietê. No semáforo, motoristas são abordados com pedidos de dinheiro. A reportagem também não encontrou agentes públicos.

“No centro, a rede de apoio do Estado já é insuficien­te. Quando os usuários se espalham, essas novas áreas não têm nada”, diz Nathália, do Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e Drogas.

 ?? Avener Prado - 18.mai.2017/Folhapress ?? Em ‘minicracol­ândia’ na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, homens abordam motoristas para oferecer drogas
Avener Prado - 18.mai.2017/Folhapress Em ‘minicracol­ândia’ na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, homens abordam motoristas para oferecer drogas
 ?? Rivaldo Gomes/Folhapress ?? Usuários de crack expulsos da cracolândi­a, em frente ao Memorial da Resistênci­a, na Luz
Rivaldo Gomes/Folhapress Usuários de crack expulsos da cracolândi­a, em frente ao Memorial da Resistênci­a, na Luz

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