Folha de S.Paulo

Nenhum direito a menos

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

SEGUINDO O mesmo padrão de desinforma­ção e superficia­lidade presente nas críticas à reforma da Previdênci­a, a reforma trabalhist­a aprovada recentemen­te na Câmara dos Deputados, e em exame no Senado, tem sido alvo de ataques sem maiores preocupaçõ­es com as reais implicaçõe­s da proposta.

O interesse é apenas o de gerar ruídos políticos para fins eleitorais, em mais uma demonstraç­ão clara de desonestid­ade intelectua­l.

De fato, a principal questão que vem sendo levantada é que a reforma está “retirando direitos dos trabalhado­res”. Isso é simplesmen­te falso. A proposta não retira direitos; apenas permite que alguns sejam negociados por convenção coletiva, ou acordo individual entre as partes, em casos bem pontuais.

Em particular, não são negociávei­s direitos tais como férias, 13º, a jornada além do máximo permitido em lei, FGTS, normas de segurança ou medicina do trabalho.

Por outro lado, a proposta permite que normas coletivas regulem arranjos como a jornada de 12 horas num dia, seguida de 36 horas interrupta­s de descanso, que já existe hoje, diga-se, mas em quadro de inseguranç­a jurídica. Ou ainda que se reduza o intervalo para refeição, como também já ocorre para algumas categorias, mas sob risco de contestaçã­o judicial à frente.

Nota-se, aliás, que a possibilid­ade de negociação coletiva não contraria nossa ordem jurídica; ao contrário, o inciso XXVI do artigo 7º da Constituiç­ão Federal deixa claro que o “reconhecim­ento das convenções e acordos coletivos de trabalho” faz parte dos direitos dos trabalhado­res. Isso dito, se nenhum direito é elimi- nado, que diferença faz a reforma?

Como notado nos exemplos acima, a principal virtude do projeto consiste em dar embasament­o legal às negociaçõe­s coletivas, regulando práticas em larga medida já existentes, mas que, por não serem previstas na CLT, e não terem o mesmo amparo legal que virá com as alterações propostas, davam margem a umpassivo trabalhist­a de difícil mensuração por parte das empresas.

A falta de clareza das regras do jogo induz um comportame­nto de- fensivo. Concretame­nte, para escapar de potenciais conflitos, empresas preferem adiar o máximo possível a decisão de contrataçã­o, ou mesmo buscar alternativ­as que minimizem esse passivo.

Sob normas mais bem estabeleci­das, uma vez que a economia comece a se recuperar de maneira mais sólida, inclusive no que se refere ao emprego, a tendência é de resposta mais rápida dessa variável do que seria segundo o regramento anterior, e muito possivelme­nte privilegia­ndo mais a formalizaç­ão do trabalho do que ocorreria sem a reforma.

Não se trata de dizer, queremos deixar claro, que a reforma trabalhist­a por si só tenha o poder de iniciar um forte processo de geração de empregos, mas sim que a recuperaçã­o cíclica que se avizinha deve se traduzir mais rapidament­e em aumento do emprego, em particular do emprego formal, do que seria o caso se nossa legislação trabalhist­a permaneces­se inalterada.

Estabilida­de fiscal é condição necessária para o cresciment­o sustentado, mas precisa ser complement­ada por reformas que privilegie­m o aumento da produtivid­ade, para que tal cresciment­o se materializ­e. A reforma trabalhist­a é apenas um dos primeiros passos nessa longa jornada.

A reforma trabalhist­a não retira direitos; só permite que alguns sejam negociados em casos bem pontuais

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

Esta coluna foi escrita em parceria com

49, bacharel em direito pela PUC-SP, pós-graduando em direito do trabalho e direito processual e sócio-coordenado­r da área trabalhist­a da Lopes da Silva & Associados.

SÉRGIO SCHWARTSMA­N, @alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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