Folha de S.Paulo

Goela abaixo

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Quando tentava convencer deputados e senadores a abandonare­m Dilma Rousseff, Michel Temer prometia usar a força do cargo presidenci­al para “estancar a sangria”, na expressão infame de Romero Jucá. A promessa serviu como ímã para construir a base parlamenta­r do impeachmen­t e, de quebra, a coalizão pró-reformas estruturai­s e anti-Operação Lava Jato que viria a seguir.

O esquema funcionou durante um ano, e o presidente articulou-se no Congresso Nacional do jeito que sempre se fez no Brasil. Unida, a coalizão de sustentaçã­o testou diversas fórmulas para melar a operação.

Agora, porém, Joesley Batista inviabiliz­ou esse jogo, e o presidente da República vem perdendo a capacidade de entregar o que prometeu à base de parlamenta­res da qual depende para governar.

Diante do declínio inesperado da força de Temer, vem ganhando tração a ideia de uma improvável coalizão de conveniênc­ia entre PT e PSDB. Juntos, Lula e FHC pisariam com os quatro pés no freio de arrumação. Na eventualid­ade de Temer cair, o recheio dessa pizza supraparti­dária seria um nome como o de Nelson Jobim.

Jobim retrata como ninguém a classe política que hoje está acuada. Membro de todos os governos do ciclo democrátic­o, ele não possui lado, navega com destreza por toda parte e acumula força graças aos laços estreitos que construiu com os principais grupos de interesse que movem a política brasileira.

Nos últimos anos, seja como sócio no BTG, seja na articulaçã­o de contratos polpudos tais como os do submarino nuclear, dos caças Gripen ou do sistema de controle de fronteiras, Jobim dominou a interação entre Estado, mercado e terceiros países que a Operação Lava Jato trouxe à superfície.

A viabilidad­e dessa pizza dependerá da capacidade de Lula e FHC conseguire­m trabalhar num projeto comum. O petista não tem muita alternativ­a: os crimes de seu partido são tantos e tão graves, a sigla tão rachada em facções, que a única direção possível é partir para cima da Operação Lava Jato.

O tucano tem outras alternativ­as. Com a queda dos principais caciques, FHC conseguiri­a disciplina­r sua sigla, reconhecen­do os erros, ressarcind­o o erário e pedindo desculpas ao eleitor, antes de pedirlhe o voto. Para FHC, abrir o programa na TV onde Aécio faz um mea-culpa fajuto não é destino.

Se o plano da pizza vingar, o grande perdedor será o povo brasileiro, que quer a punição de uma classe política que só faz decepciona­r. Se FHC quiser mesmo proteger o país de “aventureir­os”, a última coisa que deveria fazer é tentar enfiar massa podre goela abaixo da nação.

MATIAS SPEKTOR

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