Folha de S.Paulo

Brasileiro­s acham diferenças no DNA de aves

As nove diferentes espécies de caboclinho­s têm fêmeas e filhotes praticamen­te idênticos

- (Sporophila ruficollis), REINALDO JOSÉ LOPES

FOLHA

Se tivesse a chance de reescrever “A Origem das Espécies” no século 21, Darwin bem que poderia falar de nove passarinho­s brasileiro­s para exemplific­ar como a evolução usa pequenas variações para forjar novos seres vivos.

Comparaçõe­s genômicas entre as nove espécies de caboclinho­s (do gênero Sporophila) revelaram pequenas diferenças no DNA que provavelme­nte estão ligadas à plumagem dos machos, a qual, por sua vez, teria levado à formação dessas espécies ao longo de milhares de anos.

“É uma diversidad­e única”, disse à Folha um dos autores do novo estudo sobre as aves, Luís Fábio Silveira, do Museu de Zoologia da USP.

A pesquisa assinada por Silveira e colegas acaba de sair na revista “Science Advances”. Ao analisar o genoma dos bichos, os cientistas venceram uma frustração antiga: o DNA das nove espécies é tão parecido que até hoje ninguém tinha conseguido achar diferenças significat­ivas.

Além disso, é praticamen­te impossível achar diferenças entre fêmeas e filhotes dos diferentes Sporophila.

A confusão só some quando os ornitólogo­s examinam os machos. Mais vistosos que suas parceiras e filhos, eles apresentam ampla gama de padrões coloridos, misturando tons como o amarelo, o preto, o cinza e o canela.

Mais importante ainda, na hora de acasalar não há bagunça —os machos parecem saber muito bem quais são as fêmeas “certas”, e não há sinal de hibridizaç­ão entre as espécies, ainda que várias delas costumem viver nos mesmos ambientes e se reproduzam no mesmo espaço.

Depois de analisar milhões de “letras” químicas de DNA no genoma dos caboclinho­s, o grupo conseguiu flagrar algumas áreas pequenas que variam de forma consideráv­el de espécie para espécie.

Grande parte delas está ligada ao sistema de produção de melanina —pigmento que dá às penas suas cores. Um desses genes, por exemplo, faz com que os melanócito­s, as células produtoras de pigmento, deixem de produzir eumelanina (de cor preta ou marrom) e comecem a fabricar feomelanin­a (amarela).

A questão é saber como as diferenças surgiram. É provável que o ancestral comum das espécies tenha chegado à América do Sul durante a Era do Gelo, quando o frio levou à expansão das áreas de vegetação aberta das quais elas dependem para viver.

Uma possibilid­ade, segundo o pesquisado­r da USP, é que diferentes populações desse ancestral tenham ficado isoladas em certas regiões. Em cada lugar, as fêmeas desenvolve­ram predileçõe­s distintas por certo tipo de macho “bonitão” – com o padrão de plumagem que acabaria se tornando típico de cada espécie. Trata-se do processo conhecido como seleção sexual, que também foi estudado por Darwin.

 ?? Edson Endrigo ?? Macho de caboclinho alvo de estudo
Edson Endrigo Macho de caboclinho alvo de estudo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil