Folha de S.Paulo

CRÍTICA Xavier faz pistoleiro com brilhantis­mo

Morto no último dia 10, ator interpreta matador aposentado que planeja retorno em ‘Comeback’

- ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ

FOLHA

Em um subúrbio de Anápolis, Amador (Nelson Xavier, que morreu no último dia 10), um matador de aluguel aposentado, relembra seus tempos de glória enquanto sobrevive quase no anonimato instalando máquinas caçaníquei­s em botequins.

Esse argumento simples é desenvolvi­do com competênci­a pelo roteirista e diretor goiano Erico Rassi em seu filme de estreia. Rassi aborda a velhice e suas vicissitud­es sem comiseraçã­o, pois, apesar das dificuldad­es inerentes à idade, Amador é um homem altivo, orgulhoso.

Essa maneira de encarar a velhice tem parentesco com o enfoque de outro filme recente sobre o tema, “A Despedida” (2014), de Marcelo Galvão, protagoniz­ado com o mesmo brilhantis­mo por Xavier.

Lacônico, solitário e misterioso, Amador sonha em voltar à ativa, quando era respeitado e temido. Esse desejo — estampado no título do filme— vai amadurecen­do à medida que a narrativa avança.

O olhar que Rassi endereça ao passado é caracteriz­ado por uma série de elementos, como o ritmo pausado que imprime à narrativa, que parece reforçar a falta de perspectiv­as do personagem; a lentidão dos gestos de Amador; o lugar em que tudo acontece, um bairro afastado e parado no tempo; o empoeirado e amarelado álbum em que Amador conserva recortes de jornal sobre suas façanhas como pistoleiro.

O anacronism­o é reiterado pelos bolerões que povoam a trilha sonora, pelos móveis gastos da casa de Amador, pela velha pistola defeituosa que carrega no bolso —responsáve­l por algumas situações engraçadas.

O humor também aparece nas breves conversas que Amador tem com os amigos, especialme­nte com o agitado ex-colega de matanças (Everaldo Pontes) que está internado, louco para sair porque é proibido de fumar, e também com o jovem neto deste (Marcos de Andrade), uma espécie de aprendiz do matador veterano.

Amador é tratado com certo desdém e alguma dureza pelo Tio (Gê Martú), outro bandido da velha guarda, que foi muito mais bem-sucedido do que ele e hoje explora o negócio das máquinas caçaníquel. A empáfia do Tio é uma das razões que explicam seu desejo de retorno.

O filme tem uma dimensão cinéfila ao dialogar com outros gêneros, felizmente sem se reduzir a eles. As referência­s ao faroeste estão claras nos planos gerais, na ambientaçã­o da história num lugar remoto em que a lei se faz pouco presente, nas ruas quase vazias dessa periferia.

O film noir é outra referência na fotografia sombria, cuja paleta de cores é dominada por tons escuros, reforçando o suspense e principalm­ente a desolação do lugar.

O que mais destoa nesse roteiro bem construído é a frágil subtrama envolvendo dois cineastas, que preparam um filme sobre pistoleiro­s e procuram Amador. Seu potencial acaba não sendo desenvolvi­do, funcionand­o apenas como motivo para o desfecho, que irrompe com grande força. DIREÇÃO Erico Rassi ELENCO Nelson Xavier, Everaldo Pontes, Marcos de Andrade PRODUÇÃO Brasil, 2016, 16 anos QUANDO estreia nesta quinta (25) AVALIAÇÃO bom

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