CRÍTICA Xavier faz pistoleiro com brilhantismo
Morto no último dia 10, ator interpreta matador aposentado que planeja retorno em ‘Comeback’
FOLHA
Em um subúrbio de Anápolis, Amador (Nelson Xavier, que morreu no último dia 10), um matador de aluguel aposentado, relembra seus tempos de glória enquanto sobrevive quase no anonimato instalando máquinas caçaníqueis em botequins.
Esse argumento simples é desenvolvido com competência pelo roteirista e diretor goiano Erico Rassi em seu filme de estreia. Rassi aborda a velhice e suas vicissitudes sem comiseração, pois, apesar das dificuldades inerentes à idade, Amador é um homem altivo, orgulhoso.
Essa maneira de encarar a velhice tem parentesco com o enfoque de outro filme recente sobre o tema, “A Despedida” (2014), de Marcelo Galvão, protagonizado com o mesmo brilhantismo por Xavier.
Lacônico, solitário e misterioso, Amador sonha em voltar à ativa, quando era respeitado e temido. Esse desejo — estampado no título do filme— vai amadurecendo à medida que a narrativa avança.
O olhar que Rassi endereça ao passado é caracterizado por uma série de elementos, como o ritmo pausado que imprime à narrativa, que parece reforçar a falta de perspectivas do personagem; a lentidão dos gestos de Amador; o lugar em que tudo acontece, um bairro afastado e parado no tempo; o empoeirado e amarelado álbum em que Amador conserva recortes de jornal sobre suas façanhas como pistoleiro.
O anacronismo é reiterado pelos bolerões que povoam a trilha sonora, pelos móveis gastos da casa de Amador, pela velha pistola defeituosa que carrega no bolso —responsável por algumas situações engraçadas.
O humor também aparece nas breves conversas que Amador tem com os amigos, especialmente com o agitado ex-colega de matanças (Everaldo Pontes) que está internado, louco para sair porque é proibido de fumar, e também com o jovem neto deste (Marcos de Andrade), uma espécie de aprendiz do matador veterano.
Amador é tratado com certo desdém e alguma dureza pelo Tio (Gê Martú), outro bandido da velha guarda, que foi muito mais bem-sucedido do que ele e hoje explora o negócio das máquinas caçaníquel. A empáfia do Tio é uma das razões que explicam seu desejo de retorno.
O filme tem uma dimensão cinéfila ao dialogar com outros gêneros, felizmente sem se reduzir a eles. As referências ao faroeste estão claras nos planos gerais, na ambientação da história num lugar remoto em que a lei se faz pouco presente, nas ruas quase vazias dessa periferia.
O film noir é outra referência na fotografia sombria, cuja paleta de cores é dominada por tons escuros, reforçando o suspense e principalmente a desolação do lugar.
O que mais destoa nesse roteiro bem construído é a frágil subtrama envolvendo dois cineastas, que preparam um filme sobre pistoleiros e procuram Amador. Seu potencial acaba não sendo desenvolvido, funcionando apenas como motivo para o desfecho, que irrompe com grande força. DIREÇÃO Erico Rassi ELENCO Nelson Xavier, Everaldo Pontes, Marcos de Andrade PRODUÇÃO Brasil, 2016, 16 anos QUANDO estreia nesta quinta (25) AVALIAÇÃO bom