Folha de S.Paulo

Sic transit gloria mundi

- NELSON BARBOSA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

AS CERIMÔNIAS de coroação papal, realizadas até 1963, incluíam um ritual no qual o mestre de cerimônias se colocava três vezes à frente do sumo sacerdote e dizia: “Sic transit gloria mundi”. A frase era destinada a lembrar a todos que as glórias do mundo são passageira­s, que é importante não sucumbir a vaidades pessoais. Seria bom fazer algo similar para nossos governante­s.

No dia 12, o governo Temer completou um ano com arroubos autocongra­tulatórios de que os fins justificam os meios. Naquele momento, as reformas trabalhist­a e da Previdênci­a pareciam andar a passos largos no Congresso, o Banco Central sinalizava que poderia cortar a taxa Selic em 1,25 ponto percentual (o que ainda é possível) e o ministro da Fazenda anunciava o fim da recessão que se abateu sobre o Brasil desde o fim de 2014 (tomara que sim).

Decorridas apenas duas semanas, as glórias do governo Temer parecem ter evaporado. Após um episódio que parece castigo divino ao cinismo e à hipocrisia que têm dominado a política brasileira nos últimos anos, a revelação das conversas de um grande empresário com o presidente da República, e também com o então presidente do PSDB, nos colocou novamente numa crise política.

O que fazer agora? Na economia, há quase um consenso de que o país precisa de reformas estruturai­s para viabilizar um novo ciclo de desenvolvi­mento. No entanto, também há divergênci­as sobre a realização dessas reformas no atual ambiente político.

É certo que mudanças são necessária­s na Previdênci­a e na legislação trabalhist­a, assim como na tributação, na remuneraçã­o dos servidores públicos, no gasto social e também no gasto financeiro do governo. Porém, a necessidad­e de reformas econômicas não pode servir de justificat­iva para manter o atual governo se não houver sustentaçã­o jurídica para isso diante das últimas denúncias.

Também não se deve utilizar a crise atual como pretexto para eleger uma administra­ção temporária e tecnocrata, que realize mudanças legislativ­as a toque de caixa, sob o argumento de que seria impossível fazer isso a partir de 2018. Os eleitores brasileiro­s merecem confiança e respeito.

O bom senso recomenda que se suspenda a tramitação das reformas no Congresso até que se construa uma solução política para a crise do governo PMDB-PSDB. Somente depois disso, seja lá quem for que ocupar a Presidênci­a da República, poderá retomar a agenda econômica de longo prazo.

Uma solução rápida e consensual para a crise atual talvez torne possível a aprovação de algumas das reformas necessária­s ainda em 2017. Isso, no entanto, não deve ser o foco do debate político. Após quatro anos da radicaliza­ção ideológica iniciada pelas passeatas de 2013, os últimos acontecime­ntos revelaram mais uma vez que não existem passes de mágica numa democracia.

Apostar na simplifica­ção e na radicaliza­ção do discurso econômico pode até gerar ganhos políticos no curto prazo, como aconteceu para a esquerda, em 2014, e para a direita, em 2016, mas isso pouco contribui para a solução de nossos problemas.

Para evitar uma nova alternânci­a de glórias pessoais temporária­s, sem avanços duradouros na economia e na sociedade, a solução da crise atual requer um debate equilibrad­o e transparen­te de questões impopulare­s, inclusive nas campanhas eleitorais, inclusive pela esquerda.

Começo hoje minha coluna quinzenal e agradeço à Folha pelo convite para esse espaço.

A solução da crise requer debate equilibrad­o de questões impopulare­s, inclusive pela esquerda

NELSON BARBOSA,

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