Folha de S.Paulo

Homeopatia opõe pesquisado­res da USP

Artigos publicados no jornal da universida­de mostram divergênci­as sobre seus efeitos e espaço nos currículos

- GABRIEL ALVES

Para defensores, área não é vista com respeito; para críticos, faltam evidências científica­s de eficácia

Uma bomba foi detonada em abril, quando o “Jornal da USP” publicou uma reportagem sobre a homeopatia.

O texto era sobre a pesquisa da veterinári­a Clarice Vaz, que constatou um baixo prestígio da homeopatia em faculdades de sua área. Via de regra, a prática é ensinada em disciplina­s optativas.

A reação ficou por conta do biólogo e professor da USP Beny Spira, especializ­ado em genética e biologia molecular de bactérias.

Em seu artigo de 15 de maio, na mesma publicação, Spira classifica a homeopatia como “uma das mais manjadas pseudociên­cias” e que se o nível de evidências científica­s fosse analisado, ela deveria deixar de existir.

Na sequência, em 19 e 22 de maio, foram publicados os artigos da própria Clarice Vaz e do professor de homeopatia da Faculdade de Medicina da USP Marcus Zulian Terixeira como resposta a Spira. Vaz pontuou que a discussão poderia ser analisada de um ponto de vista filosófico e não puramente científico.

Zulian escreveu que a homeopatia, ao contrário do que disse Spira, não era uma farsa, e que, para quem se dispusesse a ler, haveria dezenas de artigos científico­s que poderiam servir de base para quem quisesse estudar sobre o tema. GUERRA ANTIGA A guerra entre defensores da homeopatia e seus detratores não é nova. A modalidade foi criada no final do século 18, pelo médico alemão

BENY SPIRA

biólogo e professor da USP Samuel Hahnemann.

À margem da medicina “convencion­al”, ela resistiu e até prosperou. Hoje é reconhecid­a como área de atuação de médicos, veterinári­os, dentistas e farmacêuti­cos.

Para Vaz, um dos problemas que a homeopatia enfrenta hoje é a falta de legitimida­de. “É algo que só pode ser dado pelos outros, não por quem a pratica.”

Segundo ela, o cabo de guerra para definir quais disciplina­s serão dadas nas faculdades faz com que o lado mais fraco saia perdendo. E isso, de alguma forma, acaba sendo refletido na sociedade.

Para Vaz, outros profission­ais muitas vezes não olham para a homeopatia com respeito, mas sim com “condescend­ência”.

“Em qualquer área, é necessário separar o joio do trigo. No caso, o que é ou não eficaz, tanto na medicina convencion­al como na homeopatia”, afirma. Ela diz que é possível ter o melhor das duas áreas no sistema público.

O problema, no entanto, é a falta de financiame­nto para pesquisas da área, diz Nilson Benites, professor de medicina veterinári­a da USP que trabalhou com Clarice Vaz.

“Quando a ciência evolui, surgem formas de abordar o problema com novas e velhas ferramenta­s. Muitas vezes o cientista acha que não precisa de determinad­o conhecimen­to que não pertença à área deles”, afirma. “No caso da homeopatia,esses cientistas tendem a apontar defeitos e dizer que aquele trabalho ou aquela cura não é nada.”

Segundo Benites, a questão é que médicos e cientistas não sabem lidar com os “buracos” em suas áreas de atuação.

Para o biólogo Beny Spira, que escreveu a réplica ao texto sobre o trabalho de Vaz, os “buracos” da ciência também são a explicação para que as pessoas procurem interpreta­ções sobrenatur­ais para o mundo e acreditem em horóscopo, por exemplo.

“Parece ser algo inerente ao ser humano. Em geral, as pessoas não acreditam que a ciência é o melhor guia para conhecer o universo e acabam buscando alternativ­as.”

A homeopatia não deveria ter o prestígio que tem Parece ser algo inerente ao ser humano: em geral, as pessoas não acreditam que a ciência é o melhor guia para conhecer o universo e buscam alternativ­as

DIAGNÓSTIC­O Vaz e Spira concordam em um ponto: homeopatas quase sempre levam vantagem na atenção ao paciente.

“Nessa discussão, o problema acaba nem sendo a metodologi­a, mas sim a ideologia. A questão humana acaba sendo deixada de lado. E também acabamos menospreza­ndo outras partes importante­s da prática médica, como a anamnese”, diz Vaz.

“O médico mal te escuta, pede exame e manda embora. O homeopata, se age como deveria, fica uma hora com o paciente. Ele pergunta sintomas físicos, psicológic­os... O paciente sai de lá 50% curado. Às vezes o fato de funcionar ou não o medicament­o nem é o mais importante”, diz Spira.

Segundo ele, a parte “errada” é não informar que a melhora, caso exista, é por causa do efeito placebo.

Essa noção é corroborad­a

CLARICE VAZ

veterinári­a e pesquisado­ra da USP por alguns grandes estudos na área. Um dos mais famosos, da revista médica “Lancet”, de 2005, conclui que os estudos de remédios homeopátic­os mostram que o efeito da preparação estudada é mais próximo do placebo quanto mais bem feitos e quanto maior o número de participan­tes.

Ao menos sete revisão de estudos foram feitas pelo Cochrane (rede de cientistas que investigam a efetividad­e de tratamento­s) com o objetivo de avaliar a eficácia de tratamento­s homeopátic­os (para asma, síndrome do intestino irritável e gripe, por exemplo).

Elas apontam que ou não há efeito significat­ivo do tratamento homeopátic­o ou que os estudos que apontam benefício têm baixa qualidade.

Apesar do baixo status de evidência e dos questionam­entos de incompatib­ilidade da homeopatia com o conhecimen­to científico atual, para Antonio Carlos Lopes, professor titular de clínica médica da Unifesp, há espaço para a prática no cuidado dos pacientes.

“Não dá para negar que a homeopatia tem ação em rinite, prisão de ventre, alergia, e dores não muito importante­s”, diz. “O que não pode é usar homeopatia para doença grave, como tumores e pneumonia.”

“muitas vezes não se preocupam em estudar essa discussão do ponto de vista filosófico Outros médicos têm condescend­ência; falta respeito. Há uma força-tarefa querendo demolir a homeopatia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil