Folha de S.Paulo

Indígenas articulam partido próprio para entrar no Congresso

Com estatuto que fala em ‘obter as rédeas das próprias vidas’, grupo rejeita esquerda e apoia general na Funai

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

Primeiro e último índio na Câmara foi Mário Juruna, eleito deputado nos anos 1980, pelo PDT de Leonel Brizola

Em 1983, a Folha publicou na primeira página uma foto de Mário Juruna (1943-2002) tomando café no Congresso. A reportagem descrevia a irritação do cacique xavante, primeiro indígena eleito à Câmara, com um churrasco insosso que lhe serviram: “Gente branca não sabe comer carne”.

Não era seu único incômodo. Se acabar a Funai (Fundação Nacional do Índio), criada em 1967 pela ditadura, “vai ser bom pra índio, pois Funai não faz nada pra Índio”, disse. “Quem vai ter prejuízo é militar, que está empregado lá.”

Passaram-se 34 anos, a Funai voltou a ter um general como líder, e nunca outro indígena conseguiu uma cadeira parlamenta­r. Um quadro que o Partido Nacional Indígena (PNI) quer reverter, diz o índio caincangue Ary Paliano, 56.

Advogado formado pela Unochapecó (SC), ele preside a sigla em formação, que precisa de 487 mil assinatura­s para ser aceita pelo Tribunal Superior Eleitoral. A colheita — que costuma demorar anos— começa agora, diz Paliano.

O lema: “Colocar os índios no Congresso pela porta da frente”. Secretário-geral do partido, Francisco de Oliveira Lima Tabajara, 57, cearense da tribo Tabajara e hoje cirurgião-dentista em Brasília, foi ao Acampament­o Terra Livre, que juntou 4.000 indígenas na capital entre 24 e 28/4.

No segundo dia, vários tentaram entrar no Congresso pela porta da frente —à força. Furaram o bloqueio policial até o espelho d’água na entrada.

Reagiram com arco e flecha às bombas de gás da polícia. Protestava­m pela retomada das demarcaçõe­s de terras e pela saída do ministro Osmar Serraglio (Justiça), que um mês antes disse à Folha que era preciso “parar com essa discussão sobre terras. Terra enche a barriga de alguém?”.

Tabajara acha que sim. Uma de suas lutas é contra a PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) 215. Apoiado pela bancada ruralista e repelido por índios, o texto transfere do Executivo ao Legislativ­o a palavra final sobre terras indígenas. “O ruralista quer tomar de vez as causas indígenas. Coloca pra lascar mesmo, quer tomar até o que a gente não tem”, diz. “Índio é realidade viva da ladroagem do poder público: é dono das terras, mas não se preparou e não conseguiu escrituraç­ão. E tem terra muito rica, cheia de diamantes, de ouro”, afirma.

O general Franklimbe­rg Ribeiro de Freitas, 61, indicado pelo Partido Social Cristão para presidir a Funai (o primeiro militar no cargo em 25 anos), é rejeitado por referência­s no meio, como a Articulaçã­o dos Povos Indígenas do Brasil. Mas, dentro do PNI, seu nome foi bem recebido.

“O primeiro indígena a assumir a presidênci­a da Funai é muito significat­ivo”, diz a historiado­ra Kuana, 41, ladeada por outra simpatizan­te do PNI, Silvia Nobre Waiãpi, 42, a primeira indígena mulher nas Forças Armadas (em 2011).

Freitas, porém, já afirmou: “Não sou índio, sou de origem indígena. Minha mãe, avo e bisavó eram indígenas”.

O estatuto do PNI, publicado em 2013 no “Diário Oficial da União”, fala do “anseio dos índios em obter as rédeas de suas próprias vidas”. Tabajara diz temer que agendas ideológica­s à esquerda sequestrem sua causa. Achou justa, por exemplo, a repressão policial quando índios invadiram o Congresso. “Não pode ultrapassa­r as regras da lei.”

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