Ataque a show põe Líbia no mapa do terror
Homem-bomba de Manchester era filho de líbios; pai e irmão que confessou fazer parte do EI foram presos em Trípoli
Facções terroristas se consolidaram no país em meio ao caos que se seguiu à queda do ditador Gaddafi
O ruído da explosão de segunda-feira (22) em Manchester, em que 22 pessoas foram mortas, pode —ou deveria— ter servido de alerta à comunidade internacional.
A narrativa dos últimos anos aponta para a redução do território da facção terrorista Estado Islâmico na Síria e no Iraque, suas principais fortalezas. É uma história contada em tom de vitória, enquanto serviços secretos monitoram militantes europeus que dali retornam, vistos como ameaça em potencial.
Mas o recente atentado lembra os analistas de que há perigo em um terceiro país, ignorado entre tantas crises simultâneas: a Líbia.
O homem-bomba de Manchester, Salman Ramadan Abedi, era filho de líbios. Ele teria visitado o país pouco antes de se explodir e possivelmente recebeu treinamento ali, uma questão central para as investigações britânicas.
As autoridades do Reino Unido prenderam neste sábado (27) dois novos suspeitos, elevando para onze o número de detidos em conexão com o atentado. O país reduziu o alerta de terrorismo de “crítico” para “grave”, nível vigente antes da explosão.
O pai e um dos irmãos do homem-bomba foram presos na semana passada em Trípoli por uma milícia ligada ao governo. O irmão confessou, em interrogatório, fazer parte do EI —que reivindicou o ataque em Manchester.
Esse pode ter sido, portanto, o primeiro ataque internacional do Estado Islâmico planejado em território líbio, como notou em um artigo recente o especialista Aaron Zelin, uma das principais referências nos estudos do terrorismo. Zelin é o autor do influente blog Jihadology. GADDAFI Militantes viajaram à Líbia já em 2011 quando uma insurgência buscou, com sucesso, derrubar o então ditador Muammar Gaddafi, que acabou sendo capturado e morto.
Esses guerreiros, alguns deles vindos da Europa, se uniram em um primeiro momento à rede Al Qaeda, escreve Zelin. Em seguida, foram às fileiras do Estado Islâmico, que estabeleceu ali uma de suas grandes bases pouco após declarar seu califado islâmico POPULAÇÃO 6,8 milhões de habitantes (equivalente ao Maranhão) ÁREA 1,8 milhão de km2 (o dobro de MT) PIB -3,3% (2016) TRÍPOLI É a base do Governo de Acordo Nacional. Essa entidade foi formada com o apoio da ONU em 2016. Fayez al-Sarraj é o premiê. Boa parte da comunidade internacional, incluindo os EUA, a apoiam. TOBRUK O Exército Nacional Líbio chefia Tobruk e a região leste do país. O governo de Tobruk controla regiões de importante produção de petróleo. ESTADO ISLÂMICO A facção radical expandiu-se com militantes estrangeiros que estavam na Líbia para a derrubada de Gaddafi. A organização era liderada Abu Nabil, morto em um ataque aéreo americano em 2015. Há dúvidas sobre quem é o líder da milícia hoje. ANSAR AL-SHARIA Organização terrorista formada em 2012. Há laços com a rede Al Qaeda –negados pelo próprio grupo– e diversos de seus membros viajaram à Síria, ao Iraque e ao Mali. Sua base é Benghazi. na Síria e no Iraque.
Como naqueles dois países, a organização se beneficiou do caos político. O governo líbio é hoje disputado entre duas facções, uma em Tobruk e a outra em Trípoli.
Zelin estima que 2.000 estrangeiros se uniram ao EI na Líbia. Segundo o “Financial Times”, ao menos 16 jovens saíram do bairro do homembomba Abedi em Manchester para lutar com o EI na Líbia.
“É bastante menor do que os 40 mil militantes estrangeiros na Síria, mas é ainda assim a quarta maior mobilização de estrangeiros na história do jihad global, eclipsado apenas pela guerra Síria, pelo jihad afegão e pela guerra no Iraque”, escreveu.
A situação é preocupante pois o EI perdeu em 2016 suas posições na cidade líbia de Sirte, o que significa que esses guerreiros podem ter começado a retornar a seus países de origem, onde podem realizar ataques.
Na sexta (26), o Egito bombardeou posições de extremistas na Líbia após atiradores matarem 29 cristãos coptas. O EI reivindicou o ataque.