De volta aos EUA, presidente tem agenda interna explosiva pela frente
Após trégua em viagem, Trump volta a enfrentar crise por contatos entre sua equipe e a Rússia
Ex-diretor do FBI demitido por ele deve depor; reforma do sistema de saúde enfrenta resistência
Depois de nove dias no exterior, o presidente dos EUA, Donald Trump, retornou a seu país no sábado (27). Encontrou elogios à sua passagem pelo Oriente Médio e críticas ao comportamento ambíguo que manteve com os aliados europeus. Mas isso é passado. Ele precisa agora tratar de salvar sua pele.
Trump prepara-se para enfrentar nas próximas semanas uma agenda que começa a colocar em risco sua Presidência. “Aquela coisa da Rússia” parece tornar-se, a cada dia, mais complicada.
“Aquela coisa da Rússia” foi como o presidente se referiu, antes da viagem, ao imbróglio dos contatos subterrâneos de sua equipe com o governo russo durante a campanha eleitoral. As revelações não param de aparecer nas páginas da imprensa.
A mais recente delas foi publicada na semana passada pelo jornal “The Washington Post”, dando conta de que o assessor especial e genro de Trump, Jared Kushner, está sob investigação do FBI por ter sugerido, em dezembro do ano passado, a criação de um canal secreto de contato entre a Casa Branca e a Rússia.
O primeiro assessor presidencial a ser abatido pelo “affair” russo foi o general reformado Michael Flynn. O então conselheiro de Segurança da Casa Branca deixou o governo após 24 dias no cargo, quando se noticiou que mentira ao vice-presidente, Mike Pence, sobre conversas com o embaixador de Moscou.
Flynn havia trabalhado na administração de Barack Obama e sabe-se que o expresidente, durante a transição, recomendara expressamente a Trump não nomeálo. Convocado na semana passada a falar ao Congresso, Flynn negou-se a comparecer, invocando o direito constitucional de não se autoincriminar.
Depois de Flynn, foi a vez de o secretário de Justiça, Jeff Sessions, se enrolar na trama. Ao se tornar público que ele também era alvo no inquérito, por pouco não caiu. Sob protestos, declarou-se incapaz de acompanhar o caso —que é da alçada do Departamento de Justiça— e seguiu adiante.
“Aquela coisa da Rússia” deixou de ser um incômodo para tornar-se um escândalo político quando Trump, no início de maio, demitiu o diretor do FBI, James Comey, numa decisão interpretada como uma investida contra as apurações do órgão.
Os desdobramentos da exoneração trouxeram para a luz do dia a discussão sobre a viabilidade de um processo de impeachment contra o presidente por tentativa de obstrução da Justica. Dois episódios contribuíram para reforçar a linha de argumentação.
O primeiro foi o pedido de Trump a Comey para “deixar de lado” o inquérito sobre Flynn. Segundo o jornal “The York Times”, que compete com o “Post” no esforço de não dar trégua ao governo, o ex-diretor do FBI teria registrado a conversa por escrito.
O segundo caso comprometedor veio em inoportuno encontro oficial de Trump com representantes diplomáticos russos, logo após a saída de Comey. Na ocasião, ele disse que o afastamento aliviava a pressão em torno do assunto. Acusou o ex-diretor de fazer mal seu trabalho, querer aparecer e ser um maluco.
Na semana passada, Comey concordou em testemunhar no Comitê de Inteligência do Senado, que conduz um inquérito parlamentar sobre o caso. Ainda sem dia marcado, ele anunciou que falaria depois desta segunda (29), feriado em homenagem aos mortos em guerras.
A sessão poderá criar enormes dificuldades para o governo na hipótese de se confirmar o gesto de Trump para salvar Flynn e conter investigações. Vendo o perigo se aproximar, o presidente dedica-se a traçar, com assessores e uma equipe privada de advogados, sua estratégia.
Para piorar o inferno astral, abriu-se em outra frente novo problema. Após suada votação na Câmara do projeto para substituir o Obamacare, sistema de saúde da gestão anterior, veio à luz o parecer técnico da Comissão de Orçamento: mantido como está, o plano deixará sem assistência cerca de 23 milhões de pessoas até 2026.
Sem profundas alterações, será impossível contar com a aprovação do Senado. não desistem: “O cálculo de investimento é que quem quer que entre no lugar ‘não tem alternativa’ a não ser continuar com as reformas. Quanto mais cedo ele se for, melhor”. Esse cálculo “pode ser otimista”, avisa o jornal, sublinhando que “aumentou a chance de um segundo mergulho na recessão”.
O diário financeiro francês “Les Echos” faz avaliação parecida, dizendo que “as reformas podem pagar o preço” por essa “verdadeira bagunça, repetida ao longo de décadas, patrocinada por uma classe dirigente que acredita ter licença para tudo”. Citando que “todo mundo sabia que eles eram podres”, diz que os acontecimentos “não estimulam ninguém ao otimismo”.