Folha de S.Paulo

MATA ATLÂNTICA Ventos desmataram o equivalent­e a 700 campos de futebol em SP

Vendaval em cidades como São Roque e Mairinque atinge florestas e tira Estado do ‘grau zero’

- MARA GAMA

Sem essas tempestade­s, Estado teria perdido cerca de 80 hectares de mata e não estaria na lista de desmatador­es FOLHA

Perdas consideráv­eis da cobertura florestal colocaram o Estado de São Paulo novamente na lista do desmatamen­to da mata atlântica no último ano.

Foram 698 hectares desmatados entre 2015 e 2016, 15 vezes o verificado entre 2014 e 2015, que atingiu 45 hectares. Um hectare é equivalent­e a pouco mais que um campo de futebol.

O Estado vinha reduzindo a área desflorest­ada desde 2010 e, em 2013, tinha atingido o “grau zero”, que é atribuído quando há perda de menos de 100 hectares (1 km²) de mata nativa.

Os dados fazem parte do mais recente Atlas da Mata Atlântica, levantamen­to que cobre todo o imenso bioma, produzido pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Criado em 1985, o monitorame­nto começou com balanços a cada cinco anos e recentemen­te passou a ter atualizaçõ­es anuais, com publicação de resultados em maio.

Segundo o coordenado­r técnico do Inpe Flavio Ponzoni, especialis­ta em vegetação, a maior parte do desmatamen­to no Estado foi causada por ventos muito fortes ocorridos em junho de 2016.

O município que mais perdeu área de cobertura nativa foi São Roque, com decréscimo de 322 hectares. Na sequência vêm Mairinque, com 134 hectares, Atibaia, com 107 hectares, e Embu-Guaçu, com 55 hectares.

Descontado o fenômeno natural, o desmatamen­to causado pela ação humana teria sido de 80 hectares, o que manteria o Estado fora da lista de desmatador­es.

Os ventos causaram estragos também nas áreas urbanas de Jarinu, Jundiaí e Vargem Grande Paulista nos dias 5 e 6 de junho de 2016, provocando quedas de árvores e postes, destelhame­ntos de edificaçõe­s, tombamento de veículos e ao menos uma morte (em São Roque).

Ponzoni diz que é possível ver as “cicatrizes” do vendaval na vegetação nativa nas imagens de satélite tomadas nos dias seguintes ao evento climático (veja fotos à dir.).

Laercio Namikawa, que atua na área de detecção de danos do Inpe, diz que não é possível afirmar que houve um tornado, embora existam indícios de um percurso de destruição.

Marcia Hirota, diretoraex­ecutiva do SOS Mata Atlântica, sobrevoou a área na última quarta-feira (24), quase um ano depois do vendaval, e diz que já é possível ver alguma recuperaçã­o nos locais atingidos. “Precisamos garantir que essas áreas sejam regenerada­s e se mantenham protegidas”, diz.

Segundo Hirota, a área da serra do Mar está razoavelme­nte preservada no Estado, mas nos limites da mancha urbana da capital é possível ver o “efeito formiga” da ocupação desordenad­a do solo por moradias.

“O desafio no Estado é a recuperaçã­o ambiental, com a proteção dos fluxos hídricos com mata ciliar. Os municípios têm de planejar seu cresciment­o e respeitar a Lei da Mata Atlântica, que veta ocupação que não seja de interesse público ou social”, afirma a ambientali­sta. “Cabe ao poder público emitir licenças e autuar infratores com a Polícia Florestal.” AVALIAÇÕES DISTINTAS O secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Ricardo Salles, informou que, de acordo com os dados do governo estadual, não houve aumento do desmatamen­to.

Salles afirma que a secretaria monitora os biomas do cerrado e da mata atlântica sem distinção, além das áreas de proteção ambiental (APAs) hídricas.

Além das amplitudes diferentes, há também diferença conceitual importante nos levantamen­tos realizados pela secretaria e pela SOS Mata Atlântica.

Para o órgão do governo paulista, o desmatamen­to é apenas o que foi retirado sem o licenciame­nto ou a compensaçã­o ambiental requeridos nos Termos de Compromiss­o de Recuperaçã­o Ambiental emitidos pela Cetesb.

Isso quer dizer que, enquanto os dados da SOS Mata Atlântica flagram os remanescen­tes florestais, os dados citados pelo secretário levam em conta a própria ação da administra­ção ambiental sobre a ocupação econômica do território. Se há licenciame­nto e/ou compensaçã­o, não há, para ele, desmatamen­to. HISTÓRICO A mata atlântica cobria originalme­nte 69% da área do Estado, cerca de 17 milhões de hectares. Hoje, restam 2.810.668 hectares, ou 16,5% do que havia.

De acordo com o Atlas da Mata Atlântica, nos últimos 30 anos foram desmatados 187.811 hectares do bioma no Estado de São Paulo. Dos 645 municípios paulistas, 574 estão localizado­s no bioma da mata atlântica.

São Paulo tem seis municípios na lista dos cem municípios que mais desmataram a mata atlântica no país entre 1985 e 2015, e a área total desmatada no Estado nesse período atingiu 33.719 mil hectares, cerca de 337 km², o que correspond­e ao tamanho do município de Ilhabela.

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