Folha de S.Paulo

Contas de semanas

Com troca de comando na Justiça, governo Temer propaga tese de que terá tempo para aprovar reformas e segurar-se no poder federal

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Nunca será bom presságio, para um governo, a percepção de que seus atos visam tão somente a sobrevivên­cia imediata.

Não parece envolver objetivos mais grandiosos, de fato, a insólita troca de comando promovida neste domingo (28) no Ministério da Justiça, uma das pastas essenciais da Esplanada brasiliens­e.

Deixou o posto, no qual não havia completado três meses, o deputado Osmar Serraglio (PMDBPR). A cadeira será ocupada por Torquato Jardim, até então titular da Transparên­cia, que abriga a Controlado­ria-Geral da União.

Tivesse sido constatada a inaptidão de Serraglio para o primeiro escalão do Executivo, vá lá. Mas não: a ele foi oferecido o cargo deixado vago por seu sucessor.

Da inexplicad­a manobra, restou a interpreta­ção de que Torquato Jardim, um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, foi alçado a uma posição de maior relevo em razão de sua familiarid­ade com os trâmites daquela corte —a qual, dentro de alguns dias, julgará a continuida­de do mandato do presidente Michel Temer (PMDB).

Declaraçõe­s a quente do nomeado, antes mesmo de definida a data da posse, reforçaram tal leitura.

A esta Folha, disse não saber avaliar o trabalho da Polícia Fede- ral, principal estrutura vinculada à pasta que comandará (sem rejeitar a hipótese de substituir seu diretor); mostrou convicção, porém, ao calcular que, se avançarem as reformas no Congresso, a permanênci­a de Temer na cadeira estará assegurada em até cinco semanas.

Ao jornal “Correio Braziliens­e”, considerou “mais do que natural” um eventual pedido de vista, no TSE, dos autos do processo contra a chapa do presidente da República —o que prolongari­a o julgamento, no raciocínio desenvolvi­do, por uma semana ou dez dias.

Alimentada­s por Torquato, especulaçõ­es do gênero despertara­m reação veemente do presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, segundo quem “as fontes do Planalto são outro ramo das Organizaçõ­es Tabajara”. Nas palavras do magistrado, havendo o pedido de vista, “normal”, não terá sido por encomenda palaciana.

Há muito pouco de normalidad­e, entretanto, quando uma decisão da Justiça Eleitoral se arrasta até o terceiro ano de um mandato.

Compreende-se que os juízes não queiram para si, agora, a responsabi­lidade de arbitrar o desfecho de uma crise política que, afinal, não guarda relação direta com o que será examinado na corte.

Com isso parece contar Temer, que, longe de retomar a rotina de governo, precisa convencer aliados de suas chances de segurar-se no cargo, por semanas que sejam. Quando menos, qualquer sobrevida elevará seu poder de barganha para negociar a própria sucessão.

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