Folha de S.Paulo

A volta da Graúna

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RIO DE JANEIRO - Ela está voltando. Ave negra com traços sucintos e brilhantes, sua figura minimalist­a lembrava um ponto de exclamação, do qual saíam e pareciam se mexer no desenho as perninhas e os olhos. Analfabeta, mas esperta. Personagem em construção permanente, nunca existiram duas Graúnas com a mesma expressão. Em 1984, no auge das Diretas-Já, seu rosto pedia urgência.

Trinca extraordin­ária em ação na caatinga nordestina, o cangaceiro Zeferino, o intelectua­l provincian­o Bode Orelana e a irônica Graúna surgiram nas tirinhas do “Caderno B”, do “Jornal do Brasil”, em 1972, pelas mãos de Henrique de Souza Filho, o Henfil (1944-1988). Driblando a censura com humor, os três faziam uma feroz crítica ao ambiente de sufoco durante a ditadura militar.

Graúna, já naquela época, mexia com o machismo brasileiro, e não perdia a chance de provocar Zeferino: “Boneca!”. Conquistou a todos e virou a principal personagem de Henfil, sua assinatura de cartunista. A bichinha foi presença obrigatóri­a nos movimentos pela anistia e pelas eleições com voto popular. É a mesma Graúna de corpinho enxuto que ressurge agora, 33 anos depois, quando uma segunda campanha das Diretas-Já tenta melhor sorte que a primeira.

Como na mobilizaçã­o anterior, é grande a resistênci­a no Congresso. Ao contrário de 85% da população, a maioria dos deputados e senadores prefere as indiretas. Não há entre eles, para usar um lugar-comum, “vontade política” para mexer na Constituiç­ão, a exemplo do que fizeram, às pressas, com a PEC do Teto dos Gastos, que põe em risco educação e saúde.

Vontade para valer não faltou aos milhares de eleitores reunidos no último domingo (28) no showmício de Copacabana pelas diretas. No meio da multidão um homem de cabelos grisalhos usava uma camiseta com a imagem da Graúna. NABIL BONDUKI

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