Folha de S.Paulo

O papel da escola

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

NA SEMANA passada recebi a foto de um comunicado colocado na frente de uma escola e, simultanea­mente, a reportagem sobre uma escola que oferece serviço de “faz-tudo” para pais. As escolas se localizam em Estados diferentes e, mesmo sendo exemplos radicais, nos permitem refletir a respeito da tal parceria família/escola.

A primeira escola colocou um “lembrete aos pais”. Nele, ela estabelece que cabe aos pais ensinar aos filhos a dizer “Bom dia, boa tarde, por favor, com licença, desculpe e muito obrigado”. E continua: é em casa que o filho deve aprender a “ser honesto, ser pontual, não xingar, ser solidário, respeitar os amigos, respeitar os mais velhos, e RESPEITAR OS PROFESSORE­S PRINCIPALM­ENTE!”. As letras maiúsculas e a exclamação estão no texto da escola.

“É em casa que se aprende a não falar de boca cheia, a ser limpo e a não jogar lixo no chão”, diz o cartaz. Não terminou, caro leitor: “Ainda em casa é que se aprende a ser organizado, a cuidar das suas coisas e a não mexer nas coisas dos outros.” O que cabe à escola, nesse comunicado? “Na escola os professore­s ensinam matemática, português, história, geografia, inglês, ciências e educação física”, e “reforçam o que o aluno aprendeu em casa!!!”, com as três exclamaçõe­s.

Já a segunda escola, segundo a reportagem, oferece “serviços técnicos” aos pais para que eles tenham mais tempo com os filhos. Professore­s para prestar serviço de babá, papinhas congeladas, lavanderia e corte de cabelo são alguns dos serviços oferecidos.

São os pais que deveriam realizar o que chamamos de socializaç­ão primária: ensinar aos filhos a se comunicar, a se cuidar, a se alimentar, a conviver, a entender e a apreender os valores e costumes daquela sociedade, por exemplo. Esse processo ocorre durante toda a infância e esses ensinament­os se dão no ambiente familiar e com os que são próximos da família, o que significa que a criança pode entender –e irá testar isso– que em locais públicos ela pode se comportar de modo diferente.

Como as crianças vão para a escola bem cedo, cabe também à instituiçã­o escolar esse papel. Além disso, tem também a tão falada “educação para a cidadania”, que deve contemplar o ensino da convivênci­a respeitosa entre pessoas que não são amigas, próximas, ou conhecidas. A essas pessoas damos o nome de colega, que não é sinônimo de amigo.

Só na escola uma criança pode aprender isso! Se ela quer apenas ensinar conteúdos escolares, pode fechar suas portas: a sociedade não precisará mais dela já que esses conteúdos podem ser aprendidos –e, em geral, de um jeito bem mais interessan­te para os mais novos– em muitos outros locais. Na internet, por exemplo.

E os serviços que ter um filho exige dos pais? Lavar roupa, levar para cortar o cabelo, alimentar, por exemplo. Cabe à escola esse papel? Melhor abrir uma lavanderia, uma fábrica de comida congelada, um salão de cabeleirei­ro, não é? Ah! Mas assim demandará mais trabalho aos pais. Isso é cuidar dos filhos que eles desejaram ter.

Resumo da ópera: parceria família/escola é entendida como determinar o papel do outro e/ou atender as demandas do outro. E os alunos? E a educação deles? Precisamos deixar de ver apenas o que queremos e olhar para o que os filhos e alunos precisam e devem aprender, não é?

Se a escola quer apenas ensinar matérias, pode fechar suas portas: a sociedade não precisa dela

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