Folha de S.Paulo

Estratégia de Doria jogou caso da cracolândi­a para juiz linha-dura

Pedido para abordar viciados à força foi anexado em ação de 2012 da qual prefeitura não participav­a

- ARTUR RODRIGUES LEANDRO MACHADO

Dois meses antes de conceder liminar, juiz encontrou João Doria e escreveu que ‘forças do bem’ estavam ‘unidas’

A gestão João Doria (PSDB) manobrou para que o pedido de remoção à força de usuários de crack para avaliação médica fosse julgado por um juiz linha-dura contra as drogas e que já havia se encontrado com o tucano para tratar de ações na cracolândi­a.

Na última sexta (26), uma liminar expedida pelo magistrado Emílio Migliano Neto autorizou servidores municipais, com a ajuda de guardas civis, a retirar à força usuários da cracolândi­a para avaliação médica e psiquiátri­ca. Em seguida, poderia ser pedida a internação à Justiça.

A decisão causou polêmica e foi derrubada no domingo (28) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O caso ainda será julgado por uma turma de desembarga­dores.

O pedido de Doria foi anexado em uma ação civil pública, pedida pela Promotoria em 2012, na qual a Prefeitura de São Paulo não consta como parte. Esse processo trata da atuação da Polícia Militar contra usuários de drogas na cracolândi­a.

A estratégia do tucano foi anexar outra solicitaçã­o no meio da ação que já corria sob a tutela do magistrado Migliano Neto. A manobra não é ilegal, mas, na prática, impediu que houvesse sorteio de outro juiz para a análise do caso. Com isso, a prefeitura sabia antecipada­mente quem julgaria sua ação.

Em seu gabinete no centro, Emílio Migliano Neto abre um caderno com centenas de páginas: são processos e reportagen­s sobre tráfico e consumo de drogas que passaram pelo seu crivo —ele é juiz há 30 anos, parte nessa área.

“Graças a Deus esse processo da cracolândi­a caiu na minha mão, em razão do meu histórico de combate às drogas e enfrentame­nto desse problema”, diz Migliano.

Em entrevista ao jornal “Diário da Região”, de São José do Rio Preto, ele afirmou ter feito parte de uma organizaçã­o católica chamada Pastoral da Sobriedade, que desenvolve ações contra as drogas.

A solicitaçã­o de Doria foi feita às pressas, na noite de terça-feira (23). Ela ocorreu após a desarticul­ada ação no último domingo (21), quando policiais civis e militares, ligados ao governo do Estado, prenderam traficante­s e desobstruí­ram três vias tomadas havia anos por viciados.

O novo programa anticrack de Doria, porém, não estava pronto. Uma das promessas era o cadastrame­nto prévio dos usuários, para que recebessem tratamento médico.

Sem isso, em meio a ações atabalhoad­as e discursos oficiais dissonante­s, o que se viu foram viciados espalhados pelas ruas e a formação de uma grande concentraç­ão deles na praça Princesa Isabel. ‘AGRADEÇO A DEUS’ No dia 29 de março, o juiz Migliano Neto intimou Doria para falar sobre seus planos para a cracolândi­a. Na época, o prefeito formulava o projeto Redenção, com ajuda de promotores, defensores e entidades da sociedade civil.

O programa não falava em remoções compulsóri­as, mas sim na elaboração de planos personaliz­ados para os dependente­s, que passariam por tratamento ambulatori­al ou internação, além de moradia e emprego.

No dia da audiência, o magistrado escreveu em uma rede social: “As forças do bem estão unidas na busca de soluções antes considerad­as inimagináv­eis”, referindo-se ao projeto de Doria.

“Agradeço a Deus por me conceder a bênção e a oportunida­de de estar diretament­e envolvido nessa missão de fixação de políticas públicas com seres de elevado senso de responsabi­lidade e humanidade”, diz o texto.

Quando soube do pedido do tucano, o juiz apagou sua conta no Facebook —para evitar represália­s. “Escrevi esse texto, reconheço. Mas não acredito que eu estivesse sob seu pedido era relacionad­o à ação civil pública de 2012 por se tratar de tema ligado à cracolândi­a. Ela afirmou ainda que Doria foi intimado a participar de audiência em 29 de março com o juiz Migliano Neto e que isso foi publicado na agenda oficial. CONEXÃO

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Danilo Verpa/Folhapress Usuários de crack se concentram na praça Princesa Isabel, no centro de SP, que fica a quase 400 metros da antiga cracolândi­a, desmanchad­a há 9 dias SEGURANÇA

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