Estratégia de Doria jogou caso da cracolândia para juiz linha-dura
Pedido para abordar viciados à força foi anexado em ação de 2012 da qual prefeitura não participava
Dois meses antes de conceder liminar, juiz encontrou João Doria e escreveu que ‘forças do bem’ estavam ‘unidas’
A gestão João Doria (PSDB) manobrou para que o pedido de remoção à força de usuários de crack para avaliação médica fosse julgado por um juiz linha-dura contra as drogas e que já havia se encontrado com o tucano para tratar de ações na cracolândia.
Na última sexta (26), uma liminar expedida pelo magistrado Emílio Migliano Neto autorizou servidores municipais, com a ajuda de guardas civis, a retirar à força usuários da cracolândia para avaliação médica e psiquiátrica. Em seguida, poderia ser pedida a internação à Justiça.
A decisão causou polêmica e foi derrubada no domingo (28) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O caso ainda será julgado por uma turma de desembargadores.
O pedido de Doria foi anexado em uma ação civil pública, pedida pela Promotoria em 2012, na qual a Prefeitura de São Paulo não consta como parte. Esse processo trata da atuação da Polícia Militar contra usuários de drogas na cracolândia.
A estratégia do tucano foi anexar outra solicitação no meio da ação que já corria sob a tutela do magistrado Migliano Neto. A manobra não é ilegal, mas, na prática, impediu que houvesse sorteio de outro juiz para a análise do caso. Com isso, a prefeitura sabia antecipadamente quem julgaria sua ação.
Em seu gabinete no centro, Emílio Migliano Neto abre um caderno com centenas de páginas: são processos e reportagens sobre tráfico e consumo de drogas que passaram pelo seu crivo —ele é juiz há 30 anos, parte nessa área.
“Graças a Deus esse processo da cracolândia caiu na minha mão, em razão do meu histórico de combate às drogas e enfrentamento desse problema”, diz Migliano.
Em entrevista ao jornal “Diário da Região”, de São José do Rio Preto, ele afirmou ter feito parte de uma organização católica chamada Pastoral da Sobriedade, que desenvolve ações contra as drogas.
A solicitação de Doria foi feita às pressas, na noite de terça-feira (23). Ela ocorreu após a desarticulada ação no último domingo (21), quando policiais civis e militares, ligados ao governo do Estado, prenderam traficantes e desobstruíram três vias tomadas havia anos por viciados.
O novo programa anticrack de Doria, porém, não estava pronto. Uma das promessas era o cadastramento prévio dos usuários, para que recebessem tratamento médico.
Sem isso, em meio a ações atabalhoadas e discursos oficiais dissonantes, o que se viu foram viciados espalhados pelas ruas e a formação de uma grande concentração deles na praça Princesa Isabel. ‘AGRADEÇO A DEUS’ No dia 29 de março, o juiz Migliano Neto intimou Doria para falar sobre seus planos para a cracolândia. Na época, o prefeito formulava o projeto Redenção, com ajuda de promotores, defensores e entidades da sociedade civil.
O programa não falava em remoções compulsórias, mas sim na elaboração de planos personalizados para os dependentes, que passariam por tratamento ambulatorial ou internação, além de moradia e emprego.
No dia da audiência, o magistrado escreveu em uma rede social: “As forças do bem estão unidas na busca de soluções antes consideradas inimagináveis”, referindo-se ao projeto de Doria.
“Agradeço a Deus por me conceder a bênção e a oportunidade de estar diretamente envolvido nessa missão de fixação de políticas públicas com seres de elevado senso de responsabilidade e humanidade”, diz o texto.
Quando soube do pedido do tucano, o juiz apagou sua conta no Facebook —para evitar represálias. “Escrevi esse texto, reconheço. Mas não acredito que eu estivesse sob seu pedido era relacionado à ação civil pública de 2012 por se tratar de tema ligado à cracolândia. Ela afirmou ainda que Doria foi intimado a participar de audiência em 29 de março com o juiz Migliano Neto e que isso foi publicado na agenda oficial. CONEXÃO