Folha de S.Paulo

Trabalho sério de historiado­ra não despe a obra de drama

- SYLVIA COLOMBO

Em “Olga Benario Prestes - Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo”, Anita Leocádia Prestes tenta descolarse do próprio personagem para relatar a penosa história de seu nascimento em cativeiro e do relacionam­ento entre seus pais durante seus primeiros seis anos de vida — também os últimos de Olga.

Anita fala de si em terceira pessoa, chama pelo nome os pais, a avó e a tia (Leocadia e Lygia, mãe e irmã do líder comunista), que a recebem da Gestapo para ser levada da Alemanha —primeiro a Paris, e depois, para o México.

A falta de termos afetivos não esvazia o livro de seu tom dramático. Séria como historiado­ra, analisa de modo que pode parecer relatorial os documentos da Gestapo sobre sua mãe, mas isso não esconde as terríveis —e ternas— sensações que as revelações sobre seu passado suscitam.

Nos dossiês estão informes da polícia alemã sobre o comportame­nto de Olga, que detiveram até que a enviaram à câmara de gás no campo de Bernburg, em abril de 1942.

Também estão no livro cartas escritas por e para Olga, principalm­ente as trocadas com Prestes e Leocadia.

Apesar de o relacionam­ento do casal ter durado pouco mais de um ano —de dezembro de 1934, quando Olga escoltou Prestes de Moscou ao Brasil, até a prisão de ambos, no Rio, em março de 1936— eles se escreveram até o fim.

As cartas, porém, tardavam meses. A Gestapo as filtrava, algumas se perdiam, outras só demoravam. Além disso, os alemães exigiam que a correspond­ência fosse em seu idioma, que Prestes foi obrigado a aprender sozinho, na cadeia. ‘COOPERAÇÃO’ Constam do pacote os pedidos de Olga para ser liberada e reencontra­r-se com a filha e a sogra e os que tratam de suas tentativas de obter vistos para outros países, alguns concedidos . Mas a resposta alemã era categórica: sua libertação estava fora de cogitação, a não ser que ela “cooperasse”, falando das atividades do partido em Moscou, o que se recusava a fazer.

O primeiro cativeiro de Olga foi a prisão feminina de Barnimstra­sse. Ali, podia receber, de Leocadia e Lygia, alimentos, livros e revistas.

Enquanto moviam uma campanha internacio­nal para que Anita lhes fosse devolvida, as duas tornaram-se o único contato da prisioneir­a, uma vez que sua própria mãe se recusava a ajudá-la, consideran­do-a “uma fanática”.

Olga é descrita pelos alemães como “uma comunista perigosa e obstinada”, e a libertação do bebê foi motivo de debate entre os oficiais.

Por fim, consideran­do que levar a criança “a uma instituiçã­o em áreas do Reich” alimentari­a a “imprensa marrom”, libertam Anita, que aos 14 meses de idade, é entregue aos parentes paternos.

As condições de Olga, então, se degradam. É enviada ao campo de concentraç­ão Lichtenbur­g, para onde não era permitido o envio de alimentos, e dali para o centro de detenção de Ravensbrüc­k.

Sua correspond­ência com Prestes não trata de política. O assunto mais constante é Anita, de quem recebem, aqui e ali, fotos enviadas por Leocadia e Lygia. Conversam sobre a descrição do caráter da filha. Olga se inquieta ao achar que Anita estava sendo mimada; Prestes a acalma.

Outros assuntos são típicos de prisioneir­os; falam de quanto conseguem dormir e comer, do isolamento, dos rigorosos invernos alemães.

A desesperan­ça quanto a um reencontro, porém, se faz presente. A última mensagem de Olga demonstra que estava consciente de seu destino. Diz: “A última cidade foi Dessau. Mandaram-nos despir. Não maltratada­s. Adeus”.

Dessau era a última estação antes de Bernburg, onde morreria —segundo o arquivo da Gestapo, de “insuficiên­cia cardíaca causada por oclusão intestinal e peritonite”.

O livro complement­a e enriquece sua biografia com o retrato de seu estado de espírito no fim da vida e do modo como ficou atenta ao destino da filha e ao de Prestes, mesmo depois de esgotadas as esperanças de revê-los. AUTORA Anita Leocadia Prestes EDITORA Boitempo QUANTO R$ 37 (144 págs.) AVALIAÇÃO bom

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