Trabalho sério de historiadora não despe a obra de drama
Em “Olga Benario Prestes - Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo”, Anita Leocádia Prestes tenta descolarse do próprio personagem para relatar a penosa história de seu nascimento em cativeiro e do relacionamento entre seus pais durante seus primeiros seis anos de vida — também os últimos de Olga.
Anita fala de si em terceira pessoa, chama pelo nome os pais, a avó e a tia (Leocadia e Lygia, mãe e irmã do líder comunista), que a recebem da Gestapo para ser levada da Alemanha —primeiro a Paris, e depois, para o México.
A falta de termos afetivos não esvazia o livro de seu tom dramático. Séria como historiadora, analisa de modo que pode parecer relatorial os documentos da Gestapo sobre sua mãe, mas isso não esconde as terríveis —e ternas— sensações que as revelações sobre seu passado suscitam.
Nos dossiês estão informes da polícia alemã sobre o comportamento de Olga, que detiveram até que a enviaram à câmara de gás no campo de Bernburg, em abril de 1942.
Também estão no livro cartas escritas por e para Olga, principalmente as trocadas com Prestes e Leocadia.
Apesar de o relacionamento do casal ter durado pouco mais de um ano —de dezembro de 1934, quando Olga escoltou Prestes de Moscou ao Brasil, até a prisão de ambos, no Rio, em março de 1936— eles se escreveram até o fim.
As cartas, porém, tardavam meses. A Gestapo as filtrava, algumas se perdiam, outras só demoravam. Além disso, os alemães exigiam que a correspondência fosse em seu idioma, que Prestes foi obrigado a aprender sozinho, na cadeia. ‘COOPERAÇÃO’ Constam do pacote os pedidos de Olga para ser liberada e reencontrar-se com a filha e a sogra e os que tratam de suas tentativas de obter vistos para outros países, alguns concedidos . Mas a resposta alemã era categórica: sua libertação estava fora de cogitação, a não ser que ela “cooperasse”, falando das atividades do partido em Moscou, o que se recusava a fazer.
O primeiro cativeiro de Olga foi a prisão feminina de Barnimstrasse. Ali, podia receber, de Leocadia e Lygia, alimentos, livros e revistas.
Enquanto moviam uma campanha internacional para que Anita lhes fosse devolvida, as duas tornaram-se o único contato da prisioneira, uma vez que sua própria mãe se recusava a ajudá-la, considerando-a “uma fanática”.
Olga é descrita pelos alemães como “uma comunista perigosa e obstinada”, e a libertação do bebê foi motivo de debate entre os oficiais.
Por fim, considerando que levar a criança “a uma instituição em áreas do Reich” alimentaria a “imprensa marrom”, libertam Anita, que aos 14 meses de idade, é entregue aos parentes paternos.
As condições de Olga, então, se degradam. É enviada ao campo de concentração Lichtenburg, para onde não era permitido o envio de alimentos, e dali para o centro de detenção de Ravensbrück.
Sua correspondência com Prestes não trata de política. O assunto mais constante é Anita, de quem recebem, aqui e ali, fotos enviadas por Leocadia e Lygia. Conversam sobre a descrição do caráter da filha. Olga se inquieta ao achar que Anita estava sendo mimada; Prestes a acalma.
Outros assuntos são típicos de prisioneiros; falam de quanto conseguem dormir e comer, do isolamento, dos rigorosos invernos alemães.
A desesperança quanto a um reencontro, porém, se faz presente. A última mensagem de Olga demonstra que estava consciente de seu destino. Diz: “A última cidade foi Dessau. Mandaram-nos despir. Não maltratadas. Adeus”.
Dessau era a última estação antes de Bernburg, onde morreria —segundo o arquivo da Gestapo, de “insuficiência cardíaca causada por oclusão intestinal e peritonite”.
O livro complementa e enriquece sua biografia com o retrato de seu estado de espírito no fim da vida e do modo como ficou atenta ao destino da filha e ao de Prestes, mesmo depois de esgotadas as esperanças de revê-los. AUTORA Anita Leocadia Prestes EDITORA Boitempo QUANTO R$ 37 (144 págs.) AVALIAÇÃO bom