Folha de S.Paulo

Enrolation

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O homem aprende com sua própria experiênci­a e, se for sensato, com a experiênci­a dos outros recolhida pela história. A democracia é a melhor forma de administra­ção das sociedades e de resolução de seus conflitos, exatamente porque proporcion­a a oportunida­de de ela errar e se corrigir por tentativa e erro.

Na democracia, o poder incumbente é substituíd­o, em prazo fixo, por outro escolhido livremente pelo sufrágio universal estritamen­te controlado para impedir que o poder econômico elimine a “paridade de poder” entre o trabalho e o capital. É essa experiênci­a, frequentem­ente custosa, que pode ser amenizada pela observação das experiênci­as de outros países.

O pressupost­o daquela “paridade” é que normalment­e as sociedades tendem a perseguir um sistema no qual se quer conviver com três objetivos fundamenta­is: 1) a plena liberdade individual; 2) uma relativa igualdade de oportunida­des que controla inclusive a transmissã­o exagerada de riqueza intergerac­ional; 3) um eficiente sistema produtivo.

As sociedades hoje desenvolvi­das realizaram em certo grau esses três objetivos. A “malaise” que agora as acomete é uma abusiva acumulação de riqueza. Cada vez que ela ocorreu na história, terminou ou em uma revolução pacífica sob o controle de uma liderança segura (Solon, em Atenas, 594º B.C.) ou em guerras civis fratricida­s que destroem tudo para tudo recomeçar igual...

Apesar de todas as suas virtudes, a democracia não cria recursos! Nem a democracia nem qualquer outro regime! Todos os sistemas são sujeitos a restrições físicas incontorná­veis e que vão sendo expandidas à medida que se realiza o desenvolvi­mento econômico, isto é, o aumento da produtivid­ade do trabalho.

O PIB numa economia fechada só pode ter dois usos: o consumo, que se dissipa na subsistênc­ia material e no investimen­to no capital humano (saúde, educação), e o aumento do estoque de capital físico, que promove o desenvolvi­mento. Se não houver uma harmonizaç­ão cuidadosa entre os dois, o desenvolvi­mento murcha e, logo depois, murcha o consumo.

Pode parecer incrível, mas tais verdades aritmética­s elementare­s foram sistematic­amente ignoradas por alguns dos mais aplaudidos expositore­s na Comissão Parlamenta­r de Inquérito sobre a Previdênci­a do Senado! O “enrolation” que manifestar­am com a maior indignação supõe recursos infinitos, independen­temente da produtivid­ade do trabalho! Mas é pior. É apenas uma manifestaç­ão do lamentável nível a que chegamos com a análise ideológica de nossos problemas econômicos e sociais que insiste em rejeitar as evidências empíricas...

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