Folha de S.Paulo

Conspiraçã­o contra o público

-

SÃO PAULO - “Pessoas do mesmo ofício raramente se encontram, mesmo que em alegria ou diversão, mas, se tiver lugar, a conversa acaba na conspiraçã­o contra o público, ou em qualquer artifício para fazer subir os preços.” A frase, de Adam Smith, captura algo essencial sobre a natureza humana: tendemos ao corporativ­ismo.

E os traços dessa contínua conspiraçã­o contra o público aparecem onde menos se espera. Foi com surpresa que li na Folha de terça-feira que a Confederaç­ão Brasileira de Futebol (CBF) criou uma norma, a vigorar a partir de 2019, que obrigará todos os técnicos de futebol a passarem por um curso oferecido pela... CBF.

Tal regra, que não tem força de lei, mas tende a ser seguida pelos clubes, é mais bem descrita como uma mistura de advocacia em causa própria com venda casada. O curso nível C, que autoriza o egresso a atuar como técnico em escolinhas de futebol, sai por R$ 5.267,00; o A, que licencia para trabalhar em clubes profission­ais, fica em mais salgados R$ 9.926,00.

O problema com essa norma é que ela contraria o princípio da liberdade profission­al, consagrado no inciso XIII do art. 5º da Constituiç­ão: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificaç­ões profission­ais que a lei estabelece­r”. Nesse caso específico, parecem sábias as palavras da Carta. A liberdade como regra geral tende a dar mais opções de vida aos cidadãos e produzir melhores soluções econômicas. É só em algumas poucas situações, normalment­e de atividades que requeiram um saber técnico muito preciso cujo desconheci­mento coloque a população em perigo físico, que se justifica a regulament­ação. Mas estamos aqui falando de casos bem específico­s, como medicina, engenharia e talvez direito.

O futebol não reúne nenhuma dessas caracterís­ticas. Ele é só um jogo, o que o torna terreno propício para todo tipo de experiment­ação, desregulam­entação e iconoclast­ia. helio@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil