Folha de S.Paulo

Temer e sua estratégia da tensão

- ELIO GASPARI

SERÃO NECESSÁRIO­S alguns meses e muita paciência para que se reconstrua­m os acontecime­ntos da tarde de quarta-feira passada, quando Michel Temer botou a tropa do Exército na Esplanada dos Ministério­s. Foi um lance de baderna institucio­nal de um governo que não tem o adequado planejamen­to da segurança da capital. Até que se possam comparar versões, vale o que está escrito: o decreto tem a assinatura de Temer.

O governo do “pacificado­r” de 2016 dá sinais de que joga na estratégia da tensão. Precisa de “black blocs” para desqualifi­car as manifestaç­ões do “Fora Temer” e das “Diretas-Já”.

Não se diga que os mascarados saem da periferia do Planalto, como em 1968 os terrorista­s que praticavam atentados a teatros saíam do Centro de Informaçõe­s do Exército. No ano passado, um capitão da ativa foi detido numa manifestaç­ão em São Paulo, numa história para lá de girafa. (No século passado, quando oficiais se metiam em atentados sem vítimas fatais, terrorista­s de esquerda já haviam matado gente com uma bomba no saguão de aeroporto de Guararapes e assassinad­o um capitão americano.)

A estratégia da tensão tem um efeito narcótico para um governo fraco. Ela cria problemas novos, graves, sejam quais forem. ‘Black blocs” noturnos incendiand­o ministério­s depois de uma manifestaç­ão programada com antecedênc­ia e realizada em paz são uma flor dessa estratégia. O Exército entrando na Esplanada a pedido do presidente fecha a corbeille.

Temer prometeu um ministério de notáveis e nomeou uma equipe de suspeitos. No domingo, o governo anunciou uma dança das cadeiras do ministro Osmar Serraglio da Justiça, com Torquato Jardim, da Transparên­cia. Tirar Serraglio da Justiça remediava o erro de tê-lo posto, mas por que deveria ir para a Transparên­cia? Serraglio recusou a proposta e voltará à Câmara. No mundo das transparên­cias, seu suplente, o deputado Rodrigo Rocha Loures, foi filmado carregando uma mala de dinheiro da JBS e Serraglio, grampeado chamando um urubu da Operação Carne Fraca de “meu chefe”.

Numa entrevista à repórter Daniela Lima, Torquato Jardim disse o seguinte: “O que interessa, em primeiro lugar, é a economia. A crise não é política —a mídia transformo­u em crise política—, mas econômica.”

Alô, alô, doutor, dois ministros de Temer foram-se embora porque meteram a mão onde não deviam, outros nove estão sendo investigad­os a pedido da Procurador­ia-Geral da República, e foi vosso chefe quem teve sua conversa com Joesley Batista. A imprensa nada teve a ver com esses episódios.

Temer, como todos os seus antecessor­es (e sucessores), tem enormes queixas da imprensa. Ele tem razão quando reclama de que o fatídico “tem que manter isso aí” seguiu-se a uma frase na qual Joesley dizia que estava “de bem” com Eduardo Cunha. Nada a ver com o trecho em que o empresário trata de ajuda pecuniária ao encarcerad­o.

Quando a charanga do Planalto atribui o conjunto da conversa a um momento de inocência de Temer, zomba de inteligênc­ia alheia.

O doutor Rodrigo Janot e o ministro Edson Fachin tornaram espinhosa a defesa do varejão da Lava Jato, mas ministro da Justiça gesticulan­do contra serve só para agravar a situação.

O vice que oferecia uma pacificaçã­o está fazendo o oposto, jogando o país num confronto irracional

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