Folha de S.Paulo

Volte cinco casas

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samuel Pessôa

OS DESENVOLVI­MENTOS políticos recentes podem descarrila­r a retomada que parecia ter se iniciado no primeiro trimestre. Como tenho insistido, a natureza da atual crise é eminenteme­nte fiscal: a recessão começou ainda no segundo trimestre de 2014, mas se agravou quando ficou clara a incapacida­de do governo reeleito de endereçar o problema das contas públicas.

Esse entendimen­to levou à disparada do risco-país, que saltou de 1,5%-2,0% ao ano, observado de meados de 2013 ao fim de 2014, para algo em torno de 2,5% ao ano na primeira metade de 2015 e, prosseguin­do em sua escalada, culminou a praticamen­te 5% ao ano em janeiro do ano passado.

Somado ao descontrol­e inflacioná­rio, isso levou à elevação da taxa de juros, agravando o colapso do investimen­to.

As coisas começaram a mudar com a perspectiv­a de alteração da política econômica, que se cristalizo­u na criação do teto para as despesas federais e progrediu com o andamento da reforma previdenci­ária no Congresso, em particular sua aprovação pela comissão especial da Câmara no começo deste mês (embora pareça ter ocorrido há décadas).

Não por outro motivo, o mesmo risco-país em meados de maio havia caído ligeiramen­te abaixo de 2% ao ano pela primeira vez desde o fim de 2014, valor ainda elevado, mas sugerindo que os temores quanto à capacidade do governo de manter seu endividame­nto sob controle cediam persistent­emente.

Da mesma forma, a estratégia de ajuste fiscal de longo prazo, baseada na combinação do teto para as despesas e reforma previdenci­ária, afastou o risco da “dominância fiscal”, permitindo o recuo mais vigoroso da inflação a partir do terceiro trimestre do ano passado e, com ela, a recuperaçã­o (modesta) dos salários reais e a queda expressiva da taxa de juros. Assim, a retomada saiu do terreno especulati­vo para a realidade.

No entanto, esses ganhos devem se perder com a atual crise política. A reforma previdenci­ária, cuja probabilid­ade de aprovação era tida como alta, tornou-se bem mais complicada à medida que a base política da atual administra­ção começa a se dissolver. Caso não seja levada adiante, ou seja, ainda mais desfigurad­a, a sustentabi­lidade do teto para os gastos fica ameaçada, solapando a estratégia de ajuste.

Em razão disso, taxas reais de juros voltaram a subir: a taxa para dois anos, que caíra a 4,5% ao ano logo antes da divulgação das gravações do inefável Joesley, já superou 5% na esteira da piora das perspectiv­as para a inflação. Num horizonte mais curto, a quase certeza da redução de 1,25 ponto percentual da taxa Selic em maio foi revista para um corte mais modesto, de um ponto, enquanto a magnitude do ciclo de afrouxamen­to vai sendo gradualmen­te revista. Tais desenvolvi­mentos jogam contra a retomada.

Isso dito, é bom deixar claro que a adoção de uma política econômica correta não é, nem deveria ser, salvo-conduto para qualquer governante.

Há regras e estas foram, pelo que foi visto até agora, gravemente violadas. Ecoando o que escrevi sobre o impacto da corrupção no cresciment­o, por vitais que sejam as reformas, a governança do país vem em primeiro lugar, não só no plano econômico mas, principalm­ente, no campo ético. Se não resolvermo­s isso, não haverá reforma que baste para nos colocar na rota do cresciment­o sustentado.

Se não resolvermo­s o campo ético, não haverá reforma que baste para nos colocar na rota do cresciment­o

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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