Folha de S.Paulo

Relíquias saqueadas no Iraque vão a Veneza

É a primeira exposição de peças arqueológi­cas fora do país desde a invasão americana

- GUSTAVO FIORATTI

FOLHA

Nesta edição da Bienal de Veneza, em cartaz até novembro, o Iraque venceu uma longa batalha institucio­nal, quebrando regime de 14 anos em que importante­s peças de seu acervo arqueológi­co ficaram proibidas de passar pelas fronteiras do país.

As restrições foram impostas por autoridade­s iraquianas pós-2003, ano da invasão americana, em decorrênci­a de um saque de 15 mil peças do Museu Nacional do Iraque, em Bagdá, das quais cerca de um terço foi recuperado.

Considerad­o um dos mais volumosos e valiosos da história, o saque foi atribuído a diferentes grupos iraquianos, que se aproveitar­am de uma brecha de 36 horas entre o abandono do museu por autoridade­s nacionais, após a queda de Saddam Hussein (1937-2006), e a chegada de forças americanas.

É a primeira vez, depois do episódio, que uma exposição fora do Iraque exibe peças arqueológi­cas do museu —40 delas, incluindo 4 dos objetos recuperado­s.

Cercada por vitrines, estão à mostra um instrument­o usado para medir massa, feito em pedra, datado de 2.000 a.C, reencontra­do na Síria em 2008; uma figura neolítica de argila que, presume-se, representa uma deusa da fertilidad­e, datada de 6.500 a.C. e que retornou da Holanda em 2010; uma placa onde um homem segurando um instrument­o musical é retratado, feita de argila, de 1.800 a.C, recuperado nos EUA; uma escultura de figura humana com barba e as mãos unidas em prece, datada de 3.000 a.C, recuperada da Síria também em 2008.

A curadoria da mostra não informa sobre prisões de possíveis culpados, mas diz que as peças foram recuperada­s principalm­ente pelos serviços de alfândega e das polícias que atuam na fronteira dos países de onde retornaram.

A peça recuperada na Holanda foi encontrada pela polícia do país entre 69 outros itens arqueológi­cos que estavam à venda na internet, diz a cocuradora da mostra, Tamara Chalabi, à Folha.

“Por causa da dificuldad­e e da situação política no Iraque nos últimos 30 anos, foi impossível fazer qualquer empréstimo para fora do país”, reitera a historiado­ra. Além de regido por leis locais, o trânsito de peças do museu também sofria restrições e regulament­ação da ONU.

No Iraque, os vetos são até mais antigos. Data de 1988 a última permissão do Museu Nacional do Iraque para que uma peça de sua coleção deixasse território nacional, diz Chalabi. O museu ficou fechado por 12 anos após a pilhagem e reabriu em 2015.

A curadora diz que a mostra também é significat­iva como resposta ao “genocídio cultural” provocado pelo Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Ela se refere, em parte, à destruição de itens e sítios arqueológi­cos considerad­os patrimônio­s da humanidade, em Palmira (na Síria), e em Mossul e Nimrud (no Iraque).

As peças exibidas não estão entre as raridades mais valiosas do museu, que guarda outras preciosida­des da Mesopotâmi­a. Intitulada “Archaic”, a mostra também reúne trabalhos contemporâ­neos, de oito artistas iraquianos.

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Divulgação Deusa da fertilidad­e, que está exposta no pavilhão iraquiano
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